Santa Catarina é o quinto maior produtor de alimentos do Brasil. Só que o Estado, que já sofria com eventos como chuvas fortes seguidas de enchente e estiagem, tem assistido a mudanças climáticas que estão fazendo com que esses eventos extremos fiquem mais constantes e violentos. E, com isso, os produtores de alimentos estão sofrendo.
O território catarinense se divide em três áreas básicas, com condições de relevo e clima distintas: o oeste, o centro e o leste. No oeste estão concentrados os grãos, especialmente feijão, milho e soja, e a criação de suínos, aves e bovinos. No centro do estado, com regiões mais elevadas e, por isso, um clima mais frio, se destacam produções que dependem de temperaturas mais baixas, como maçã e uva, além de focos de produção de grãos. Já a leste do estado, na costa oceânica, o clima tem características mais tropicais: quente e úmido. Com isso, espécies como arroz irrigado, hortaliças e banana se desenvolvem bem na região. Também há criação de bovinos lá.
Cada uma dessas regiões já está acostumada a eventos climáticos extremos que costumam afetar a produção. O oeste costuma ser afetado por estiagem e o leste por chuvas intensas seguidas de alagamentos. Mais a sul, uma área de baixa pressão e instabilidade meteorológica favorece o aparecimento de ventos fortes e tornados.
Um estudo feito pela Epagri confirmou o que os produtores já sentem na pele nos últimos dez anos: esses eventos extremos estão ficando mais severos e mais constantes, o que parece ter relação com o aumento aumento de temperatura no ar e no oceano registrado nos últimos 50 anos no Estado. Santa Catarina está entre 1,4ºC e 3,2ºC mais quente.
Em 2006, por exemplo, uma estiagem de quase um ano afetou 80% da produção do oeste do Estado. Não há contabilização de quanto se tenha perdido de dinheiro, mas levando em conta que a região possui grande concentração de produção de grãos, que produzem no máximo duas safras por ano, dá para se ter uma ideia do tamanho do prejuízo: diversos agricultores perderam a produção de um ano inteiro.
Já em 2008 as chuvas fortes que caíram no leste do Estado afetaram 38.800 propriedades rurais espalhadas por 74 municípios e causaram um prejuízo de R$ 526 milhões de reais. Essa quantia estima apenas a perda da safra em cultivo durante a chuva. Danos ao solo e às propriedades, que inviabilizam a continuidade imediata da produção, não foram contabilizados.
Esse aumento de temperatura também afeta diretamente as culturas que precisam de frio para sobreviver. Resultado: o feijão, a uva e a maçã já começam a ter suas produções prejudicadas, o que deve se agravar com o tempo. E, como a maioria absoluta (87%) das propriedades rurais de Santa Catarina são fazendas familiares de pequenos produtores, os danos são ainda maiores.
Sinais da mudança climática
“Quando chove, parece que São Pedro joga o balde tudo de uma vez”. Essa foi a forma que o agricultor Carlinhos Bananeiro encontrou para tentar explicar como o clima está se comportando nos últimos dez anos. Carlinhos demonstra estar sentindo o efeito das mudanças climáticas em suas plantações de – adivinha? –banana. Uma delas, como ele descreveu, é a concentração das chuvas. A quantidade de milímetros de água que antes caía ao longo de dois meses hoje desaba em poucos dias. As estiagens também estão mais severas e duram mais – em 2006 o oeste do Estado passou quase um ano inteiro com seca.
Essas mudanças climáticas afetam as plantações de várias formas: desde doenças que se proliferam com o calor até a inviabilização do cultivo por excesso de chuva ou temperaturas muito altas. Diversas culturas foram afetadas no Estado. Veja como:
– O feijão possui um ciclo curto, de aproximadamente 80 dias, e precisa de frio para se desenvolver. Até o início dos anos 2000, a maior parte da produção vinha de pequenos agricultores do oeste do estado e a época ideal de plantio se estendia de março a junho. Hoje, com a temperatura mais alta, o inverno demora mais para se estabelecer e o plantio muito cedo pode fazer com que a cultura não se desenvolva. Por esse motivo, os produtores de feijão têm preferido começar o plantio em meados de maio. O calor também contribui com a proliferação de pragas e com estiagens cada vez mais severas, o que fez com que os pequenos agricultores fossem abandonando o cultivo de feijão no oeste. Nos últimos cinco anos, a produção tem se concentrado em cidades como Campos Novos, com um clima mais ameno, e em grandes propriedades mecanizadas, que possam têm melhores condições de combater as pragas.
– As plantações de maçã também estão sentindo o aumento da temperatura. Prova disso é que a sarna, uma doença que só se desenvolve no frio e era típica das macieiras catarinenses, está desaparecendo. Essa é a boa notícia. Mas a entomosporiose, doença típica de locais com temperaturas mais alta, que só apareceu em altitudes maiores de 1000 metros em meados dos anos 2000, está se espalhando. O aumento de calor também é um complicador no desenvolvimento da fruta, que precisa de 700 horas de frio por ano para se desenvolver, mas em regiões como Caçador só tem tido pouco mais de 500. Para solucionar esse problema, a alternativa tem sido tratar as macieiras com indutores de brotação, que estimulam a árvore a desenvolver o fruto mesmo com temperaturas mais altas. Mas essa técnica faz com que a maçã perca muito em qualidade. Para se adaptar ao calor, pesquisadores de São Joaquim e Caçadores têm feito cruzamentos genéticos entre espécies de maçã que precisam de mais frio – e que são as mais saborosas, como a Fuji e a Gala – e espécies mais tolerantes ao calor. Desses cruzamentos podem sair frutas que perdem pouco em qualidade e se desenvolvam em climas mais quentes.
– Já a banana está sofrendo tanto com o excesso de calor quanto com as chuvas fortes. A banana, nos dois casos, desenvolve a sigatoka, uma doença que queima as folhas e enfraquece a planta, muitas vezes tombando o tronco e matando a árvore. Ainda não existem formas menos agressivas do que fungicidas pulverizados nas plantações para conter esse fungo. Para proteger os frutos desse tratamento químico, os produtores têm cultivado bananas dentro de grandes sacos plásticos. Nos últimos cinco anos, a sigatoka tem aumentado em grande quantidade. O produtor Carlinhos Bananeiro chega a aplicar fungicidas três vezes por ano – até 2002 ele fazia o tratamento no máximo uma vez por ano.
– O alface, com muita chuva, desenvolve um fungo escuro que destrói o pé. Esse fungo tem aparecido em um terço da plantação do agricultor Edwin Schill, 44 anos, nos últimos cinco anos. Ele tem sofrido com os extremos do clima: em 2006 a estiagem condenou metade da sua produção durante o verão, já que as folhas de alface ficam muito amargas com o excesso de calor. E, em novembro de 2008, toda sua produção foi perdida por causa das fortes chuvas segudas de enchentes e deslizamentos que atingiram o Vale do Itajaí, incluindo a cidade de Ilhota, onde fica sua fazenda.
– Até o arroz, que é típico de climas mais quentes, está sofrendo com a temperatura excessivamente alta. Em janeiro deste ano, segundo o produtor Evandro Smith, houve três dias com temperaturas acima de 30ºC e mais da metade de sua plantação “secou”.
– Os produtores de gado também têm sofrido com o excesso de chuva. A enchente de 2008 matou por afogamento todas as 250 cabeças de gado do criador Elimar Likpe na cidade de Ilhota. As chuvas também encharcam o solo e acabam prejudicando a criação de gado por causa do excesso de lama. O produtor de gado leiteiro Arthur Cursane é um dos que sofre constantemente com esse problema. “Antes a gente ia buscar fruta lá no fim da rua de chinelo, hoje só dá pra ir de bota, por causa da lama”, conta. “E essa lama faz a gente perder pelo menos três vacas por mês, que ficam atoladas”. Para ele, que como 87% dos agricultores do estado possui uma pequena propriedade, o prejuízo é grande.
A Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina, Epagri, investe em monitoramento do clima e previsão de eventos extremos. A Epagri possui um centro de meteorologia, o Ciram, que divulga em seu site informações do clima em cada região do estado para guiar a produção agropecuária. A Epagri possui estações experimentais espalhadas pelo estado que procuram estudar os impactos do clima na agricultura e na criação de animais. Esses estudos devem apontar, no futuro, formas para se adaptar às mudanças climáticas.
*Publicado originalmente no !sso Não é Normal.