Santiago, Chile, 5/7/2012 – “A erradicação da fome não é uma utopia, mas uma meta perfeitamente possível”, e para isso se deve potencializar a agricultura familiar, sem se esquecer os setores mais vulneráveis como as populações indígenas e as mulheres, afirma o economista argentino Raúl Benítez.
O mercado “não deve ser o único regulador do preço dos alimentos”, opinou Benítez em entrevista à IPS, duas semanas após ter assumido como diretor da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) para a América Latina e o Caribe. Por isto, o Estado deve ter uma presença efetiva, para poder “corrigir as distorções ou os problemas de inclusão que o mercado gera”, acrescentou, considerando as incertezas geradas pela crise econômico-financeira global com epicentro na Europa.
IPS: O que se deve fazer para que a inflação dos alimentos, empurrada pelo aumento dos preços internacionais, não mine a economia dos países da região e joguem por terra os avanços conseguidos?
RAÚL BENÍTEZ: Observamos nos últimos meses uma queda no preço dos produtos da cesta alimentícia. Quando se analisa as cadeias de produção, se percebe que não necessariamente uma queda nos preços primários terá repercussão em uma redução dos preços nos supermercados, e vice-versa. Então, no que temos de trabalhar todos os países da região é em tornar mais eficiente esta cadeia, de tal modo que os produtores possam receber melhores preços e o consumidor pagar menos.
IPS: Acredita que o mercado deve ser o único regulador do preço dos alimentos?
RB: Definitivamente, não. O mercado é uma ferramenta da economia, e creio que é válido nos apoiar nesta ferramenta que é muito forte, poderosa e útil. Agora, o que não temos que esperar é que resolva todos os problemas. O que se quer é que o mercado esteja acompanhado por uma forte ação do Estado que nos permita corrigir as distorções ou os problemas de inclusão que o próprio mercado gera. É uma falsa contradição dizer Estado ou mercado. Considero compatível, perfeitamente, uma economia de mercado, mas com um Estado forte, resolvendo as assimetrias que o mercado produz ou as falhas que existem, usando políticas inclusivas.
IPS: Como avalia a iniciativa América Latina Sem Fome?
RB: É um tema muito forte que nos marca como uma região diferente, que não envolve apenas os poderes executivos, mas também os parlamentos. Está claro que ainda precisamos trabalhar muito mais, que estamos longe de alcançar a meta de erradicar a fome na região, mas é possível. Temos que propor aos governos e às sociedades e impulsionar para que este seja um tema permanente da agenda política. Houve avanços notáveis. O que se está fazendo é ir juntando vontades em favor desta possibilidade de erradicar a fome, e, portanto, em algum momento isso vai decantar em ações mais contundentes por parte dos países.
IPS: Como a mudança climática afeta a segurança alimentar?
RB: Com a mudança climática é preciso sermos muito conscientes de que se deve contar com uma agricultura mais verde, no sentido de sermos muito cuidadosos com a produção, porque se pode ser mais eficiente em termos ecológicos. Temas como semeadura direta são importantes, bem como a utilização de biomassa para a geração de energia e esse tipo de coisas. Neste esquema geral intervém o uso da água. Sem dúvida, temos que ser mais eficientes. Felizmente, encontramos muitas iniciativas na região, onde se faz um uso muito mais inteligente do recurso, desde a implantação de irrigação modernizada até colocar inteligência no que já é moderno.
IPS: O que lhe pareceu o desenvolvimento e as conclusões da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20)?
RB: A Rio+20 me pareceu muito boa porque retomou uma agenda fixada há 20 anos. É preciso pôr estes temas na agenda, não esquecer, para conscientizar de que este é um problema de todos. Também vejo como positivo o que ocorreu com o G-20 (grupo dos 20 países ricos e emergentes) na reunião, em 18 e 19 de junho, no México, para a qual, pela primeira vez, a FAO foi convidada, e a declaração aí em termos de segurança alimentar foi certamente importante. Creio que representou um marco na agenda deste grupo de países.
IPS: Qual a posição da FAO sobre os alimentos transgênicos?
RB: Tentamos respeitar as políticas de cada país, já que em alguns permitiu melhorar notavelmente a produtividade.
IPS: A FAO declarou 2013 ano da quinoa (Chenopodium quinoa). O que se busca com esta campanha?
RB: O caso da quinoa é um tema muito pontual, por ser um cultivo milenar na América que estava muito esquecido e que tem muitas propriedades. Felizmente, contamos com o apoio de todo o sistema da ONU para levar adiante essa declaração. Esperamos com esta campanha obter maior base de produção, de modo a permitir que os diferentes segmentos tenham acesso e inclusive cultivem este alimento tão importante, que segundo estudos da Nasa (agência espacial dos Estados Unidos) é o mais completo de todos. Sem dúvida, sua promoção terá uma repercussão importante no tema da segurança alimentar.
IPS: Para muitos, a erradicação da fome é uma utopia. Qual a fórmula que o senhor propõe para que esta meta seja alcançada?
RB: Não a vemos como utopia, mas como uma meta alcançável. Agora, necessitamos do compromisso de todos para fazê-lo, porque não significa que seja fácil. Tecnicamente, o mundo produz mais alimentos do que precisaria, e em desperdício se perde até 30% ou mais. A pergunta é como poderíamos colaborar de maneira importante para este objetivo de erradicar a fome na América Latina e no mundo. Envolverde/IPS