Em comparação com o Brasil, a China ainda apresenta fraquezas relativamente complexas. Por exemplo, seu mercado de trabalho caracteriza-se por um emprego em massa de trabalhadores, com baixa qualificação profissional, migrantes das áreas rurais. Nas crises de 1998 e 2008, foi esse mercado que sofreu o pior impacto da onda de choque causada por elas, o que pode ser verificado pelo fato de a queda do emprego ter sido bem maior do que a queda no crescimento do PIB.
Além disso, no processo de desenvolvimento chinês, seu grande mercado de mão-de-obra forneceu, por um lado, um suprimento adequado de força de trabalho e, também, uma alta taxa de poupança, esta resultante da política anterior de pleno emprego. Ambos contribuíram para o crescimento econômico e para um alto retorno do capital investido. Por outro lado, a massividade da força de trabalho tem impedido uma elevação mais rápida da produtividade.
Nessas condições, a economia chinesa tem evoluído principalmente por altas taxas de investimento, puxadas acima de tudo pela indústria de transformação, com o consumo contribuindo em escala menor. Essa situação mostrou-se vulnerável durante os processos de crise global, tornando o encorajamento do consumo doméstico dos produtos industriais chineses um problema de ordem estrutural, embora as exportações chinesas tenham contribuído de forma limitada para o crescimento da sua economia. Os dados dos dois primeiros trimestres de 2009 mostram que as exportações tiveram uma queda de 24%, enquanto o ritmo de crescimento econômico reduziu-se em apenas 0,4%.
O problema consiste em que as crises tiveram forte impacto sobre a força de trabalho, causando problemas sociais graves. A crise de 2008, por exemplo, aumentou rapidamente em 20 milhões o número de desempregados. Diante disso, a elevação da demanda doméstica, e a redução de sua dependência à demanda externa, tornou-se um problema estratégico para a economia chinesa.
O enfrentamento dessa questão estratégica ficou evidente durante a crise de 2008. Antes dela, o foco da política macroeconômica chinesa era a contenção da inflação. Ela estava toda voltada para reduzir os investimentos, no sentido de diminuir o ritmo de crescimento da economia e reduzir os índices inflacionários. A política monetária vinha se tornando cada vez mais apertada sobre o crescimento da moeda e sobre o crédito.
Com a eclosão da crise, a política macroeconômica mudou rapidamente para a manutenção do crescimento econômico e para evitar que seu ritmo caísse abaixo de 8%. Isso exigiu a flexibilização da política monetária, a adoção de uma política fiscal ativa e de uma política também ativa no mercado de trabalho, assim como o aproveitamento da crise como oportunidade para aprofundar as políticas de proteção social.
A flexibilização monetária consistiu em assegurar liquidez ao sistema bancário, de modo a assegurar nova elevação dos empréstimos produtivos. A política fiscal ativa foi corporificada num plano de estímulo massivo para impedir a queda no ritmo de crescimento. Cerca de 600 bilhões de dólares foram destinados às áreas consideradas estratégicas.
Mais de 200 bilhões de dólares foram direcionados para obras de infra-estrutura, como o programa de modernização ferroviária. Cerca de 150 bilhões de dólares foram destinados para a recuperação das áreas atingidas pelo terremoto de Sichuan, enquanto 60 bilhões foram empregados para a construção de moradias. O restante foi destinado à construção de infra-estrutura nas áreas rurais, redução das emissões de gases poluentes, proteção ambiental e desenvolvimento social. Em termos gerais, todos esses investimentos tiveram como foco principal a geração de empregos.
Paralelamente a isso, as políticas ativas no mercado de trabalho concentraram-se, principalmente, na forte redução das taxas e encargos sobre as micros, pequenas e médias empresas, nas quais se concentra a maior parte da força de trabalho chinesa. Ao lado disso, houve multiplicação de cursos de treinamento para os trabalhadores migrantes e para os novos graduados que não encontravam vagas de trabalho, incluindo suporte financeiro para que trabalhadores e graduados desempregados pudessem participar de tais cursos.
O aprofundamento das políticas de proteção social consistiu na adoção de regras mais firmes para conformar novos sistemas de pensão ou reforçar os antigos. O Sistema de Pensão Básica para os Trabalhadores Migrantes foi regulamentado, garantindo acesso aos serviços públicos nas cidades em que estiverem trabalhando, e exigindo o cumprimento estrito dos contratos de trabalho pelos empresários. O mesmo ocorreu com o Sistema de Pensão Básica dos trabalhadores e funcionários de empresas urbanas, que têm garantida a continuidade do sistema em caso de transferência para outras cidades e províncias.
O número de trabalhadores inscritos no Sistema de Seguro Desemprego foi aumentado para 124 milhões, enquanto o de beneficiários inscritos no Programa de Garantia Mínima de Vida (dibao) se elevou a 64 milhões, ambos em 2009. Ao mesmo tempo, os estudantes de famílias pobres passaram a ter isenção de pagamento de taxas de matrícula e de livros, além de subsídios complementares relacionados com moradia e alimentação.
Essas políticas ainda estão em curso, tendo em conta a continuidade da crise nos países desenvolvidos da Europa e nos Estados Unidos. Embora as fraquezas e as potencialidades do Brasil não sejam exatamente iguais às chinesas, tais políticas talvez sirvam, de algum modo, para nos ajudar a pensar melhor as medidas que o governo brasileiro está adotando para enfrentar a extensão da crise global.
* Wladimir Pomar é escritor e analista político.
** Publicado originalmente no site Correio da Cidadania.