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Ajuda alimentar fica nas mãos das milícias

Grupos armados estariam retendo a ajuda enviada aos acampamentos. Foto: Abdurrahman Warsameh/IPS

Mogadíscio, Somália, 8/9/2011 – Grupos armados retêm a ajuda e impedem que refugiados da fome na Somália abandonem os acampamentos para buscar ajuda em outros lugares. Os alimentos estariam sendo vendidos nos mercados. Desde que Mohamed Elmi, de 69 anos, e sua família chegaram a um acampamento para refugiados em Mogadíscio, sofrem para conseguir comer algo. Ele contou que milícias que controlam o lugar roubam sua comida e impedem que saia em busca de ajuda.

Elmi disse à IPS que isto acontece porque as agências de ajuda enviam os alimentos aos administradores dos acampamentos, algumas vezes milícias, e não diretamente às vítimas. “Não sei quem está administrando isto, mas dissemos várias vezes que jamais recebemos nada deles. Que me matem, se quiserem. Não podemos ir daqui para um lugar melhor”, disse Elmi à IPS, pedindo para não divulgar o nome do acampamento por questão de segurança.

Dezenas de milhares de somalianos desesperados e famintos, refugiados pela seca no sul, não estão recebendo a ajuda a eles destinada. Milícias instalaram acampamentos não autorizados em Mogadíscio apenas para roubar a comida enviada por agências humanitárias. Acredita-se que os alimentos acabam sendo vendidos em mercados locais. Há dezenas de acampamentos com milhares de famílias na capital da Somália.

Mahad Iyo, de 54 anos, chegou a Mogadíscio em busca de ajuda no mês passado. Na entrada da cidade, ele e outros refugiados foram recebidos por grupos armados e enviados para um prédio governamental abandonado. O lugar estava lotado de gente que construiu barracas com pau e roupa velha. “Querem nos usar em benefício próprio”, disse Iyo se referindo aos homens que lhes ofereciam assistência. “Não estamos registrados nem temos ajuda regular. Aqui chegam alimento e outros produtos básicos, mas rapidamente são levados pelos capatazes”, acrescentou, dizendo que prefere abandonar o lugar e voltar para sua aldeia no sul, onde “estaria melhor, morto”.

Mohamed Nur, ex-líder miliciano, administra um dos vários acampamentos em Mogadísico, e concordou em falar com a IPS para “pôr um ponto final no assunto”. Nur admitiu não ter experiência em trabalho humanitário e disse que não foi designado capataz do acampamento nem pelo governo nem pelas agências de ajuda. Contou que assumiu ele mesmo a responsabilidade, “após ver a chegada de desesperados companheiros somalianos”.

“Quem fará este trabalho, a não ser nós? O governo é corrupto e as agências humanitárias não conhecem nosso povo tão bem como nós. Assim, instalamos este acampamento, mas as agências nunca trazem comida suficiente”, disse Nur à IPS, ladeado por dois homens armados com rifles. Nur contou que não tem registro dos refugiados nem dos envios de alimentos, e que nem ele e nem seus “covoluntários” têm tempo para “papelada inútil”. Acrescentou que nem o governo nem as agências lhe pedem algum tipo de documentação. Nur negou que ele ou outros roubem comida. No entanto, muitas pessoas no acampamento se queixaram à IPS da falta de assistência.

O chefe da Agência de Administração de Desastres, Abdullahi Mohamed Shirwa, que coordena esforços de ajuda para atender as vítimas da fome, disse à IPS que fazem “de tudo para enfrentar o problema”. Acrescentou que os roubos de comida são incidentes isolados. “Quando ocorrem desastres desta magnitude, os esforços de ajuda, em geral, ficam caóticos e leva tempo tratar deste tipo de problema, mas minha agência trabalha duro e faz todo o possível para resolver a questão, e levamos isso muito a sério”, disse Shirwa.

A IPS ficou sabendo que algumas vítimas da fome estavam abandonando o acampamento de Badbaado, nos arredores de Mogadíscio. Dez pessoas morreram nesse lugar no dia 5 de agosto, depois que homens armados, supostamente das forças armadas governamentais, tentaram roubar a ajuda distribuída aos refugiados. Um trabalhador humanitário contou à IPS que a população do acampamento está “na metade ou menos da metade” de seu número inicial de quatro mil famílias. “As pessoas fogem porque veem que nunca receberão justiça, nem proteção, nem ajuda do governo”, disse o voluntário.

O governo condenou os assassinatos em Badbaado e prometeu encontrar os responsáveis, mas ninguém ainda foi detido. A Organização das Nações Unidas (ONU) estima que quase cem mil pessoas chegaram a Mogadíscio este ano fugindo da fome no sul. Aproximadamente 3,6 milhões necessitam de ajuda. A ONU informou esta semana que a fome se propagou à região de Bay e que 750 mil pessoas estão à beira da inanição.  Envolverde/IPS