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Ajuda internacional se afasta do modelo de Washington

Um agricultor colhe trigo em Mabyan, Afeganistão. Foto: UN Photo/Eric Kanalstei

Washington, Estados Unidos, 11/7/2012 – Pela primeira vez, os doadores internacionais atrelam a ajuda financeira ao Afeganistão aos seus progressos em matéria de economia e governança. “Sabemos que a segurança desse país não pode ser medida apenas pela ausência de guerra”, disse a secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, no dia 9, em Tóquio, onde mais de 70 doadores se reuniram para definir um novo contexto da ajuda que se prestará a esse país da Ásia a partir de 2014, quando se retirarem as forças militares que o ocupam desde 2001.

“É preciso medi-la quanto a pessoas terem empregos e oportunidades econômicas, se acreditam que seu governo atende suas necessidades, se tem êxito a conciliação política, acrescentou Clinton. Embora estes temas sejam mencionados uma e outra vez desde que os Estados Unidos expulsaram, em 2001, a milícia extremista islâmica Talibã do poder, as cúpulas sobre o Afeganistão, quatro somente no último ano, se dedicaram invariavelmente à segurança, especialmente à passagem do controle militar a partir de 2014.

O Afeganistão selou acordos militares bilaterais com vários governos nas últimas semanas. Cabul e Washington assinaram um na semana passada, quando os Estados Unidos qualificaram seu sócio como seu “aliado principal” fora do esquema da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). Obtidos os acordos militares mais importantes, os doadores puderam dedicar-se, em Tóquio, a pensar sobre como financiar atividades alheias ao tema. A segurança do país continuará dependendo da ajuda externa, que já responde por 95% do orçamento do governo.

Segundo estimativa de Cabul e do Banco Mundial, os doadores teriam que entregar US$ 4 bilhões por ano. Na conferência, o Japão confirmou que entregará US$ 16 bilhões (US$ 4 bilhões por ano até 2015) e depois uma assistência “em níveis iguais ou similares aos da última década”, até 2017. Porém, o acordado indica que o dinheiro virá com novas condições destinadas a reduzir a corrupção e garantir avanços em questões econômicas e de institucionalidade, bem como uma firme adesão às normas internacionais em matéria de direitos humanos, tal como estão consagrados na nova Constituição nacional.

O Marco de Prestação de Contas Recíproco de Tóquio, um anexo da declaração divulgada depois da conferência, fala de uma “mudança de modelo” na natureza da associação entre o governo afegão e a comunidade internacional. “A conferência da capital japonesa é um ponto de inflexão para redefinir nossa relação”, destaca. Os doadores prometeram incrementar em 10% a ajuda entregue por meio do Fideicomisso para a Reconstrução do Afeganistão, ou por outras vias solicitadas pelas autoridades, com o compromisso de elevá-la a 20% até 2025, depois que forem adotadas medidas anticorrupção e de boa governança.

O acordo também reafirma compromissos anteriores de canalizar pelo menos metade da futura ajuda para o desenvolvimento no orçamento nacional e pelo menos 80% para programas considerados prioritários por Cabul. Um aspecto inerente das mudanças anunciadas no Japão é o reconhecimento que a “entrega de assistência não pode continuar como está”, segundo o texto. Como principal responsável dos aspectos militares e desenvolvimento da última década, boa parte dessas advertências se dirige aos Estados Unidos.

“Hoje é muito difícil encontrar alguém que defenda a ajuda norte-americana ao Afeganistão nos últimos anos. Há uma concordância universal de que as coisas fugiram do padrão e é preciso mudar”, declarou à IPS o pesquisador associado do Centro para o Desenvolvimento Mundial (CGD), Justin Sandefur, após retornar de uma viagem a esse país. Contudo, tudo isto parece acontecer com o acordo de Washington. “É preciso recordar que é repentina a compreensão de que os Estados Unidos devem se retirar em 2014; devemos entregar a tarefa a mais alguém”, disse um colega de Sandefur, Danny Cutherell, analista político do CGD que também esteve há pouco no Afeganistão. Washington “precisava mostrar ao resto do mundo que isto se fará racionalmente”, observou.

Um notável sinal de mudança é que a Agência Norte-Americana de Ajuda Internacional (Usaid) participa destes compromissos conjuntos, colocando dinheiro no orçamento do governo, algo que evitava no passado. Se os objetivos do que foi acordado em Tóquio forem cumpridos, “Washington se afastaria de sua tradição de utilizar terceirizados privados para a fase de estabilização e dedicaria realmente os esforços à construção do Estado afegão”. Como costuma acontecer neste tipo de conferência, a da capital japonesa foi muito mais forte em desejos e promessas do que em detalhes.

O acordo é “um passo bem-vindo, mas a prova é a implantação”, disse Louise Hancock, chefe de política e ativismo da filial da Oxfam no Afeganistão. “Também é fundamental o apoio à sociedade civil para que supervisione o gasto e exija prestação de contas das autoridades”, enfatizou Hancock à IPS. “As organizações afegãs podem ajudar observando como é empregada a ajuda estrangeira, apontando os casos de mau gasto e ajudando a população, os doadores e seus contribuintes a obterem maior valor por seu dinheiro”, ressaltou. Envolverde/IPS