Adis Abeba, Etiópia, 22/10/2013 – Eram 14h40 quando a explosão sacudiu a modorra dominical na capital da Etiópia. O cenário era uma arborizada rua no tranquilo bairro de Bole, onde há inúmeras embaixadas e residências de diplomatas estrangeiros e funcionários públicos etíopes. A explosão matou dois homens, assustou os vizinhos e demoliu uma pequena casa. Contudo, se a suposição do governo for correta, as consequências poderiam ter sido muito piores.
No dia 13 deste mês, dia do atentado, Etiópia e Nigéria jogavam em Adis Abeba pelas eliminatórias para a Copa do Mundo de 2014, que foi vencida pelos nigerianos. Como no local da explosão foram encontrados cinturões com explosivos normalmente usados pelos atacantes suicidas e uma camiseta da seleção etíope, os investigadores consideram possível que os dois homens planejavam se imolar nas proximidades do estádio, no centro da capital, onde havia milhares de torcedores e agentes de segurança.
Porém, algo deu errado e nenhum dos dois suspeitos – cidadãos da Somália, segundo o governo – conseguiu sair da casa antes da explosão. A organização islâmica Al Shabab, que tem sua base operacional na Somália, reivindicou o ataque pelo Twitter, mas não deu detalhes. “Assumimos a responsabilidade pela explosão com bomba de hoje em #AdisAbeba, #Etiopia, que deixou quase dez kuffar (não crentes) mortos”, afirmou a organização no dia 14, exagerando no número de vítimas.
Para Kjetil Tronvoll, especialista em assuntos da Etiópia e sócio do International Law and Policy Institute, “é plausível que a Al Shabab possa estar ligada ao ataque”. O grupo extremista criticara reiteradamente a Etiópia e ameaçara cometer atentados, contou Tronvoll à IPS. A Etiópia implementa protocolos de segurança de alerta máximo em relação à Somália, acrescentou, destacando que a explosão do dia 13 “justifica esse estado de alerta”.
O governo etíope está decidido a tomar medidas drásticas contra o extremismo em todas suas formas, disse o primeiro-ministro Hailemariam Desalegn em entrevista coletiva este mês. “O extremismo costuma degenerar em terrorismo, por isso temos que combater o extremismo o mais que pudermos, e não transigir em absoluto”, destacou. Essa política é criticada por alguns etíopes muçulmanos – incluídos os de origem somaliana –, segundo os quais suas comunidades são injustamente acusadas.
“Se estiver vinculado à Al Shabab, o ataque terrorista pode contribuir para a estigmatização generalizada da população de origem somaliana na Etiópia”, advertiu Tronvoll. Adis Abeba anunciou que não mudará sua política de segurança e que reforçará as fronteiras, pois os dois suspeitos do atentado do dia 13 entraram no país ilegalmente. “Nos certificaremos de controlar melhor as pessoas que entram no país”, afirmou à IPS Redwan Hussein, porta-voz do governo.
Na Somália, a Al Shabab se constituiu em baluarte contra a influência da Etiópia e do Ocidente já desde seu nascimento como braço militar da União de Cortes Islâmicas (UCI), a entidade islâmica que no começo de 2006 chegou ao poder nesse país. No começo obteve certo apoio público, como contrapeso das tropas etíopes que no final desse ano derrubaram a UCI com apoio dos Estados Unidos.
Nos anos seguintes, o território sob controle da Al Shabab se expandiu pela maior parte do sul da Somália, onde a organização instaurou a shariá (lei islâmica). Também forjou vínculos mais estreitos com a rede extremista Al Qaeda. Em 2012 uniu-se formalmente a ela. Entretanto, esse processo gerou certa discórdia, entre os líderes da Al Shabab que vislumbravam um movimento islâmico mundial e os que tinham como prioridade centrar-se nos assuntos internos.
As fissuras começaram a ser notadas depois de 2011, quando soldados etíopes e quenianos reforçaram a Missão da União Africana na Somália (Amisom). Ao mesmo tempo, a Al Shabab rejeitou a ajuda humanitária durante uma fome devastadora, decisão que corroeu o apoio público que o grupo tinha. Nos dois anos transcorridos desde então, a Al Shabab foi expulsa de seus redutos em Mogadíscio e na cidade portuária de Kismayo, e os enfrentamentos entre seus próprios líderes se converteram em uma ameaça para sua própria coesão.
Cada vez mais tem dificuldades para atrair combatentes voluntários, recorrendo, então, ao recrutamento forçado. Alguns analistas veem os últimos ataques que reivindicou (incluindo o do dia 13 e o massacre de 21 de setembro, que deixou 67 mortos no centro comercial Westgate de Nairóbi) como seus últimos suspiros, mais do que como sinais de poder. A organização é uma ameaça muito real, mas já não tem o mesmo apoio de antes.
“Pode haver alguns elementos marginais aqui e ali nas duas partes, que poderiam usar (o ataque de Adis Abeba) para transmitir alguma queixa”, disse à IPS Alula Alex Iyasu, analista do Instituto para os Estudos sobre Paz e Segurança radicado na Etiópia. “Porém, muçulmanos e cristãos convivem na Etiópia, e na Somália a vasta maioria despreza a Al Shabab e seus aliados. Por isso imagino que condenarão o ataque de Adis Abeba incondicionalmente, com se tivesse ocorrido em seu próprio solo”, ressaltou.
Nos últimos tempos, a Somália fez sérias tentativas para acabar com duas décadas de Estado falido. No ano passado, foi aprovada uma nova Constituição e estabelecido um governo federal, encabeçado pelo presidente Hassan Sheij Mohamud. A comunidade internacional comprometeu milhares de milhões de dólares para reconstruir o país devastado pela guerra, e o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Ban Ki-moon, pediu esta semana à Amisom que reforce suas tropas de 18 mil efetivos com mais 4.400 soldados.
Enquanto isso, em Adis Abeba reina a paz em torno do local da explosão do dia 13, na rua Ruanda, no bairro Bole, onde muitos etíopes de origem somaliana vivem tranquilamente com seus concidadãos. Crianças das duas comunidades costumam brincar juntas no mesmo complexo onde viveram e morreram os dois homens.Nos dias posteriores à explosão, a entrada foi selada com fita policial e uns poucos oficiais federais montavam guarda no local. E a vida na arborizada rua prossegue normalmente, com seus habitantes se misturando em pequenos comércios e parando para uma conversa nas esquinas.
Se os atacantes esperavam atiçar as divisões entre somalianos e etíopes, como a Al Shabab fazia para conseguir apoio à sua causa, parece que não conseguiram, e além disso perderam vidas na tentativa. Por outro lado, o aparato de segurança nacional da Etiópia obteve mais um motivo para manter suas controvertidas táticas. “A Etiópia leva a sério este tipo de ameaça. A Somália está em situação precária há 20 anos, por isso, em certo sentido, isso não é novidade para o governo etíope”, concluiu Iyasu. Envolverde/IPS