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Almoço comunitário em uma Espanha em queda

Cerca de 30 pessoas almoçam no restaurante da Emaús, em Torremolinos, Málaga. Foto: Inés Benítez/IPS

 

Málaga, Espanha, 12/11/2012 – Uma grande caçarola com arroz fumega no restaurante social que a organização Emaús tem no município de Torremolinos, nesta cidade. Como toda manhã, Pepi, Adriana e Diego estão cozinhando para acalmar o apetite de mais de uma centena de pessoas que já não conseguem pagar por seus alimentos. A crise econômico-financeira que sufoca a Espanha, com altas taxas de desemprego e centenas de pessoas desalojadas de suas casas por não poderem pagar a hipoteca ou o aluguel, fez disparar o número de usuários dos restaurantes sociais, geridos em sua maioria por associações sem fins lucrativos e fundações particulares que recebem ajuda estatal.

“Meu pai não tem trabalho e somos três irmãos”, conta à IPS a dominicana Dariana, de 18 anos, que chegou ao restaurante de Emaús ao meio-dia para pegar porções de arroz quente, salada, sanduíches, pão e fruta para a ceia dos quatro membros de sua família. A organização humanitária católica Emaús, com seis trabalhadores e vários voluntários, fornece alimentação a doentes e idosos, tanto em suas casas como em sua sede, onde por volta das 12h30 começa a se formar uma fila de pessoas que esperam para retirar sacolas com alimentos, enquanto uma hora mais tarde outros almoçarão em um salão com capacidade para cerca de 30 pessoas.

“Nunca imaginei que teria que pedir comida”, disse com pesar à IPS a jovem Jéssica, de 29 anos, tendo pela mão sua filha, Janira, de dois anos. Elas vivem na casa da avó da menina, mas há dois meses vão ao restaurante do Emaús porque ela e o marido ficaram desempregados, não têm nenhuma renda, “e são quatro bocas para alimentar”, contou. Nos últimos anos, o fenômeno da pobreza se tornou “mais extenso, intenso e crônico”, alerta a organização humanitária católica Cáritas no VII Informe do Observatório da Realidade Social, no qual indica que a alimentação é uma das “necessidades básicas de maior demanda” na Espanha, seguida de moradia e emprego.

Mais de 21% dos 47 milhões de habitantes da Espanha vivem este ano abaixo da linha de pobreza, segundo a Pesquisa sobre População Ativa do Instituto Nacional de Estatística (INE), que alerta que 12,7% das famílias afirmam chegar ao fim de cada mês com dificuldades, e 7,4% estão atrasados com pagamentos referentes a moradia. O INE situa atualmente a linha de pobreza em 7.355 euros (US$ 9.339) para famílias de uma pessoa.

“Cada vez mais pessoas pedem comida”, disse Pepi à IPS, enquanto mexia o arroz. “A maioria das que ajudamos tem casa, mas o dinheiro não dá para a alimentação”. Junto de Pepi está Diego, desempregado e voluntário desde julho, que acaba de preparar a salada, enquanto Adriana, que um dia chegou do Uruguai em busca de melhor futuro, corta acelga que depois será conservada no congelador.

O presidente da Emaús, Antonio Abril, disse à IPS que o perfil das pessoas que vão aos restaurantes sociais mudou desde que começaram as dificuldades financeiras, quando a crise global nascida em 2008 nos Estados Unidos chegou a terras espanholas e a vários outros países da União Europeia. No passado esta organização atendia praticamente apenas idosos, mas agora o leque se ampliou para “pessoas mais jovens que vivem nas ruas ou em casas ocupadas ou, ainda, que foram desalojadas”. Para ser atendido, “o único requisito é ser pobre”, destacou Abril.

As pessoas que procuram por esta organização chegam enviadas pelos serviços sociais do município de Málaga e devem ter domicílio nesta cidade, explicou à IPS o professor aposentado Luis Romero, um dos três fundadores da Emaús em Torremolinos, há 16 anos, que também tem restaurantes em Estepona, na província de Málaga, e Guadix e Baza, na vizinha Granada.

Diariamente, dois trabalhadores da organização percorrem com uma caminhonete o banco de alimentos de Málaga, bem como empresas e fundações colaboradoras que doam frutas, verduras e demais produtos que tornam possível a preparação das refeições de segunda-feira a sábado. Às 13h20 o restaurante de Terremolinos está preparado para cerca de 30 pessoas. As mesas com pratos sobre toalhas rosas ficam em uma sala com paredes cobertas por quadros com imagens religiosas, presidida por uma grande cruz de madeira e duas gaiolas com pássaros em tom amarelo-brilhante.

“Menos mal que estamos aqui e podemos sobreviver”, disse Marco à IPS, enquanto come arroz. Originário da Polônia, há quatro anos perdeu seu trabalho na construção civil e há um almoça no restaurante. Vive com sua irmã e sobrinha, também desempregadas, e enfrenta uma dívida de seis meses de aluguel. Diante do aumento do desemprego, que afeta mais de 25% da população economicamente ativa, há cada vez mais devedores de hipotecas que não podem enfrentar seus pagamentos e, por isso, são despejados.

O paradoxo é que, apesar de serem postos na rua, continuam com a obrigação de pagar ao banco a dívida pendente. Halina, da Bielorússia, de cabelo curto e cacheado, compartilha a mesa com Marco. Chegou em 2003 à Espanha e começou a trabalhar na área de hotelaria, mas perdeu seu emprego, acabou seu subsídio e agora não tem “onde dormir”. A mais idosa dos comensais, Encarnación, de 94 anos, cabelo curto grisalho e lábios com batom vermelho, diz que “ultimamente muitos jovens vêm comer aqui por que não há trabalho”.

Romero acrescenta que, normalmente, nos almoços costuma haver mais homens do que mulheres, imigrantes, pessoas que dormem em automóveis e nas ruas, e alguns enfermos esquizofrênicos. “Houve um aumento impressionante de pessoas da classe média que se viram obrigadas a pedir comida”, disse à IPS a voluntária Felisa Castro, fundadora, há três anos, da organização Anjos Malaguenhos da Noite. Esta entidade recebe doações e em seu trabalho fornece diariamente, café da manhã, almoço e jantar que prepara em uma casa em um bairro central de Málaga, esta cidade do sul da Espanha acostumada há anos a ver a chegada de imigrantes em busca de vida melhor. Envolverde/IPS