Alta do real: a economia brasileira vista da Argentina

A moeda brasileira fechou a semana a uma cotação de 1,57 por dólar, o valor mais alto desde agosto de 2008. Dilma Rousseff privilegia a luta contra a inflação, mas o custo para a indústria é alto e as queixas já são ouvidas inclusive dentro do governo. A valorização do real é um problema para os industriais brasileiros, mas um alívio para os argentinos, que veem suas exportações se tornarem cada vez mais competitivas em relação ao seu principal sócio comercial. A análise é do jornal Página/12, em matéria publicada no dia 11.

 

Quando Dilma Rousseff assumiu a presidência, alguns analistas especularam sobre a possibilidade de o Brasil desvalorizar sua moeda. No entanto, durante os primeiros cem dias de governo, o real não parou de se valorizar. No dia 8, fechou valendo 1,57 por dólar, o valor mais alto desde agosto de 2008. Esta situação está provocando uma forte tensão no país vizinho e as queixas já são ouvidas inclusive dentro do governo.

O jornal Folha de São Paulo revelou, no dia 9, que Luciano Coutinho, presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), questionou a política cambial em uma reunião com empresários. “O governo tinha o compromisso de sustentar o real a 1,65 por dólar, mas o abandonou devido a inflação. A indústria está sendo destruída com este tipo de câmbio”, afirmou Coutinho, segundo relataram participantes do encontro. Na Argentina, em troca, a valorização do real dá ar aos industriais e permite que o governo deixe que o peso siga se valorizando em termos reais em relação ao dólar.

O real brasileiro desvalorizou-se quando estourou a crise internacional em setembro de 2008, mas rapidamente a baixa da taxa de juros nos mercados centrais incrementou o fluxo de capitais para os países emergentes. O Brasil esteve entre os mais beneficiados porque aumentou sua taxa de juros para frear a inflação. Isso fez com o que real se valorizasse 32,7% em relação ao dólar em 2009 e outros 4,6% em 2010.

Com a chegada de Dilma, aumentou o lobby dos industriais paulistas e as manifestações de preocupação dentro do próprio PT pela apreciação do real, fazendo crescer os rumores sobre uma possível desvalorização, mas nada disso aconteceu. O real começou o ano em 1,66 e fechou a última semana em 1,57 por dólar.

Um informe da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior, divulgado na semana passada no Brasil, diz que o real nunca esteve tão alto em relação ao dólar. Hoje, a moeda estadunidense está cerca de 50% mais barata em termos reais do que estava em julho de 1994, pouco tempo depois do início do Plano Real. Comparando-se com dezembro de 1998, na véspera da desvalorização, o dólar está cerca de 40% mais barato.

Isso se explica pelo crescente fluxo de capitais que está ingressando no Brasil. Para tentar frear este fluxo, no final de março o governo de Dilma Rousseff subiu para 6% a taxa que deve ser paga pelos fundos especulativos para investir em títulos públicos, ações ou oferecer empréstimos de curto prazo. No entanto, essa medida foi combinada, de maneira quase esquizofrênica, com alta da taxa de juros (Selic). Em janeiro, foi elevada de 10,75% para 11,25% ano e, em março, de 11,25% para 11,75% com o objetivo de combater a inflação, que no ano passado superou 6%.

A taxa Selic funciona como uma cenoura para os investidores e o imposto sobre a especulação como um garrote, mas, segundo o que Luciano Coutinho disse a um grupo de empresários paulistas na semana passada, esse dilema enfrentado por Dilma Rousseff é só aparente porque, de fato, o governo optou por combater a inflação para baixá-la a 4,5%, ainda que a consequência seja uma valorização do real. Alguns analistas brasileiros já preveem um real a 1,50 por dólar até o final deste ano. Por isso, Coutinho teria sugerido aos industriais, sempre segundo fontes consultadas pela Folha de São Paulo, que se mobilizassem para pressionar o governo que ele integra.

A valorização do real é um problema para os industriais brasileiros, mas um alívio para os argentinos, que veem suas exportações se tornarem cada vez mais competitivas em relação ao seu principal sócio comercial. Além disso, dá margem ao governo de Cristina Kirchner para permitir uma valorização do peso em relação ao dólar em termos reais.

Se o Brasil continuar com essa política, a única coisa que poderia alterar o cenário seria uma alta da taxa de juros nos principais mercados centrais. No dia 7, o Banco Central Europeu deu um primeiro passo nesta direção ao aumentar a taxa de 1% para 1,25%, mas ainda é difícil saber se isso assinala uma mudança de tendência. No momento, a maioria dos analistas acredita que o Federal Reserve não seguirá os passos do Banco Central Europeu porque a recuperação econômica ainda não se consolidou nos Estados Unidos.

* Publicado originalmente no site da Agência Carta Maior. Tradução por Katarina Peixoto.