Tensão em Altamira tende a se acentuar com a chegada de um grande número de pessoas e o êxodo de moradores que serão desalojados por Belo Monte.
[media-credit name=”JB” align=”alignright” width=”300″][/media-credit]Nem mesmo a hidrelétrica de Belo Monte ensaia sair do papel, já começaram os conflitos na região de Altamira, no Pará. Previsto desde as discussões iniciais sobre o projeto, os problemas imobiliários se alastram por toda parte. Dezenas de famílias já estão desalojadas. Elas são oriundas de áreas conhecidas como baixões, que serão alagados pela usina. Outras tantas estão a caminho da cidade sob a promessa de que lá encontrão mais oportunidades de trabalho e melhor qualidade de vida.
O medo do possível alagamento e a incerteza em relação às indenizações prometidas pelo governo federal e pelo consórcio Norte Energia – responsável pela obra –, tem provocado a mudança de dezenas dessas famílias para terrenos que ficam às margens de Altamira, ou mesmo para a própria cidade, onde a especulação imobiliária e a procura por casas têm elevado de forma vertiginosa o preço dos aluguéis.
Para Éden Magalhães, secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), há uma forte pressão sobre as comunidades da periferia de Altamira. “Os moradores não sabem até hoje para onde irão quando da desocupação de suas terras. Sabem somente que a região será alagada pelo lago da usina. Nem o governo nem a Norte Energia esclarecem para onde serão deslocados.”
Em fuga dos eminentes perigos que a obra já os traz, esses moradores têm sido vítimas das mais sórdidas artimanhas. Os que ocuparam terrenos em Altamira estão, violentamente, sendo retirados dos locais, sob a alegação de que se trata de áreas particulares, ou até mesmo pertencentes à Eletronorte, como no caso das 90 famílias que foram obrigadas a desocupar um terreno, no início da semana, pela Polícia Militar.
Em outros casos, famílias estão sendo ameaçadas e até coagidas a deixarem suas propriedades. O clima na região já é tenso e tende a se agravar ainda mais com a criação de uma população de sem tetos na região, oriunda de desalojados e homens e mulheres em busca de uma vida melhor.
Mais do mesmo
A exemplo de outros empreendimentos encabeçados pelo Estado, como o Complexo do Rio Madeira, em Rondônia, e a Transposição do Rio São Francisco, no Nordeste, não se pode esperar melhor qualidade de vida, riquezas, ou desenvolvimento econômico, urbano e social. Ao contrário. Esse tipo de empreendimento tende a marginalizar os mais pobres e a propiciar o acúmulo de capital somente aos grandes empresários e latifundiários.
Em Rondônia, com as hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, a população se viu crescer assustadoramente em quantidade, mas não em qualidade. Os registros de conflitos armados, uso de drogas e álcool, abuso e exploração sexual cresceram. Seguindo o mesmo ritmo, o desemprego também alcançou patamares ainda mais altos. Não há infraestrutura nem atendimento à saúde, educação e segurança eficientes e eficazes que atendam a todas as demandas da numerosa população.
Em documento entregue em maio deste ano às autoridades em Brasília, a Relatoria Nacional para o Direito Humano ao Meio Ambiente, denunciou que, além das violações trabalhistas encontradas nas obras do Complexo do Madeira, o índice de migração foi 22% maior que o previsto, os casos de estupro aumentaram em 208% e quase 200 crianças permaneceram fora da escola.
Quando da publicação do relatório, eles ainda denunciaram surtos de viroses, jornadas excessivas de trabalho e outras más condições que a obra ocasionou. Os cerca de 21 mil trabalhadores da hidrelétrica de Jirau reclamam da piora na qualidade de vida. Estão sem casas de alvenaria, longe de suas terras, onde plantaram e colhiam, e do rio, onde pescavam, além de receberem renda inferior ao que recebiam anteriormente.
Assim como Rondônia, Altamira não tem capacidade para receber o grande número de pessoas que a obra levará para a região. Os problemas ambientais, sociais e econômicos se repetirão. O maior medo então é que todas as violações de direitos humanos verificadas na obra do Complexo do Rio Madeira sejam também apontadas quando da construção de Belo Monte.
No caso da Transposição, obra polêmica, que supostamente beneficiaria a região Nordeste e semiárida do Brasil, exemplos do insucesso do projeto não faltam. A obra atinge somente 5% do território nordestino e 0,3% da população do semiárido, beneficiando os grandes agricultores e latifundiários, pois grande parte do projeto passa por essas propriedades, e não onde está o povo da região. Se concretizada, a Transposição ainda afetará todo o ecossistema ao redor do Rio São Francisco.
Polêmica maior da obra questiona ainda a quem servirá a Transposição. O projeto não resolverá o problema das populações difusas, pois a água além de abastecer as grandes fazendas, abastecerá as populações urbanas do Nordeste. O Rio São Francisco é ainda fonte de alimento e renda para diversos povos indígenas, comunidades quilombolas e pescadores tradicionais. O projeto não servirá também a eles, que já sentem os graves impactos e danos ambientais da obra.
Para Magalhães, a situação em Altamira não será diferente da vivida pela população de Rondônia e demais áreas onde existem empreendimentos do governo federal. Por isso, ele acredita que somente com a população altamirense mobilizada e conscientizada sobre os verdadeiros impactos da obra será possível barrar Belo Monte, caso contrário a situação se repetirá em diversas regiões do país.
* Publicado originalmente pelo Cimi (Conselho Indigenista Missionário) e retirado do site IHU On-Line.