Para o defensor público Wagner Giron, população das áreas urbanas deveria ter mais participação no debate.
Previsto para ser votado – na Câmara dos Deputados –, o Projeto que altera o Código Florestal brasileiro (PL 1.876/99) pode extinguir uma área de aproximadamente 200 mil quilômetros quadrados (Km²) de mata nativa. Como comparativo, é como se uma área protegida do tamanho do Estado de São Paulo fosse liberada para o desmatamento.
Entre os pontos críticos no texto de alteração, que foi proposto pelo deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), estão a redução das áreas de Reserva Legal nas propriedades particulares, o perdão das multas aplicadas a proprietários que desmataram até julho de 2008, e a flexibilização da produção agropecuária em Áreas de Proteção Permanente (APPs), com a redução de 30 para 15 metros das áreas de preservação nas margens de rios. Além disso, o texto deixa de considerar topos de morros como áreas de preservação permanente e também prevê a ampliação da autonomia dos Estados para legislar sobre meio ambiente.
Em entrevista à Radioagência NP, o defensor público Wagner Giron explica que a população das áreas urbanas deveria ter mais participação nesse debate. Para ele, há uma falsa ilusão de que tais mudanças são de interesse exclusivo das populações de áreas rurais, pois afetarão todo o conjunto da sociedade, principalmente nas questões da falta de água e aumento das enchentes provocadas pelas chuvas. Ele cita o exemplo da cidade de São Paulo, onde foram construídas as marginais Tietê e Pinheiros em áreas de recuo obrigatório, nas quais não deveria ter atividade humana nenhuma.
Radioagência NP – Wagner, as alterações no Código devem ser encaradas com preocupação somente pela população de áreas rurais?
Wagner Giron – De forma alguma. As normas ambientais que visam a colocar uma regulação mínima da atividade humana sobre o meio ambiente têm abrangência para toda a coletividade, seja rural ou urbana. Podemos ver os efeitos nas grandes catástrofes naturais, enchentes e alagamentos sucessivos que são causados por qualquer chuvinha nos médios e grandes centros urbanos, que já são impermeabilizados por conta do crescimento feito sem projeção. Isto é fruto dos desrespeitos às normas ambientais contidas no Código Florestal, que nunca foram cumpridas no Brasil, e mesmo assim, já querem alterá-lo.
Um dos argumentos do relator do Projeto é que as alterações não vão valer para os perímetros urbanos. Isto livra as cidades dos efeitos da aprovação?
O Código Florestal cria algumas áreas importantes na proteção ambiental, que são as Áreas de Preservação Permanente (APPs). Um exemplo de APPs são as faixas mínimas de recuo nas beiras dos rios. Quando um curso d’água ou rio tem a largura de meio metro até dez metros, a faixa de APPs em ambas as margens deve ser de 30 metros. Isso seria a área de vazão das chuvas, área de escoamento e drenagem do rio. Por exemplo, na cidade de São Paulo, onde há um equívoco ambiental violento e notório, foram construídas nessas áreas obrigatórias de recuo, onde não devia ter atividade humana nenhuma, as marginais Tietê e Pinheiros. Isto colabora com o estrangulamento dos canais de vazão das águas pluviais, fato que causa o caos ambiental que vivenciamos em São Paulo quando chove. Isto é um desrespeito de disposições do Código Florestal que têm aplicação não somente na área rural, mas também nas atividades urbanas.
Concretamente, quais serão os principais efeitos sentidos pela população em geral?
A partir do momento que a alteração do Código Florestal, promovida pelos interesses da bancada ruralista no Congresso – infelizmente capitaneada pelo deputado Aldo Rebelo – procura diminuir a proteção normativa ao meio ambiente, aumentando a fronteira do agronegócio e áreas de desmatamento, o que acontece? Vai haver maior número de queimadas, emissões gigantescas de CO² e outros gases que causam o efeito estufa, perda da qualidade do ar, desflorestamento com aumento de doenças que já foram erradicadas das áreas urbanas. Podemos citar as doenças malária e chagas, que estão tomando conta dos espaços urbanos do Brasil. Isto acontece porque os pernilongos e insetos que são vetores dessas doenças, não tendo floresta, vêm para a área urbana. Toda flexibilização das normas ambientais gera catástrofes climáticas globais que afetam, principalmente, as concentrações urbanas.
O relator do Projeto afirma que as mudanças não afetariam em nada a vida na área urbana, e que as críticas ao texto são feitas por pessoas desinformadas. Qual sua avaliação sobre a afirmação?
A partir do momento em que se aumenta a fronteira agrícola do agronegócio, em que se permite desmatamento nas cabeceiras e nascentes de rios e APPs, vai faltar água para as grandes concentrações urbanas. Isto já acontece no Rio de Janeiro, Bahia e região metropolitana de São Paulo. Nesses locais, a briga por água já começa a ficar avançada. Isto pode ser visto no projeto de transposição de águas da bacia do já superpoluído e quase exterminado Rio Paraíba para alimentar a necessidade da população metropolitana da cidade de São Paulo. Esta afirmação do deputado é totalmente inverídica do ponto de vista ambiental.
* Publicado originalmente na Radioagência NP e retirado do site Brasil de Fato.