Não dá para dizer qual seja a maior dificuldade da escrita, mas é possível perceber que se tornar em sujeito-autor do próprio texto, tanto para um adulto quanto para uma criança, é um trabalho árduo de encontro consigo mesmo e de liberação. Uma das maiores dificuldades em escrever, segundo Eliane Aguiar, doutora em Educação, “é se libertar dos padrões escolares tanto no aprendizado quanto no momento da escrita”.
Em sua tese, Eliane procura estabelecer um diálogo que envolva escrita, autoria e ensino, a fim de estabelecer como se constitui o sujeito-autor dentro do contexto escolar. Para ela, “a questão da autoria não se refere apenas a como o autor se posiciona em relação a um ou outro assunto, mas como ele coloca em palavras, por meio de um processo árduo e de grande responsabilidade, o que ele mesmo vê do mundo”.
Para realizar sua pesquisa, a educadora reuniu estudantes, de sexto a oitavo anos de uma escola particular de São Paulo. A escolha dos alunos ficou por conta dos professores, porém, para dar início a qualquer atividade, a anuência de cada um dos participantes foi essencial. “A liberdade deveria começar do querer estar ali”, conta a educadora.
Durante o estudo foram feitas perguntas relacionadas à produção textual desenvolvida pelos professores de língua portuguesa em sala de aula. Como eram feitas essas atividades, quais as dificuldades encontradas, além de outras atividades produtivas com a própria pesquisadora. Houve ainda entrevistas pessoais sobre todas as atividades dentro e fora da escola que tivessem relação com a escrita.
Ao longo da coleta de dados, porém, os participantes foram aos poucos desaparecendo. Alguns diziam que não tinham mais tempo para ir aos encontros, alegavam excesso de atividades escolares e extraescolares. Outros, simplesmente, sumiram.
Metodologia errada
“As desistências foram inquietantes”, relata a pesquisadora. “Entretanto, não puderam ser elucidadas, porque era necessário um afastamento para perceber que a escolha metodológica estava inadequada para a proposta da pesquisa.”
A metodologia utilizada por Eliane, não idêntica, mas parecida com as práticas de produção textual escolar, nem sempre conseguiram ser criativas e estimulantes de maneira que acabaram por gerar o desinteresse de muitos participantes.
O que atravanca o processo da escrita?
Livros didáticos que dividem os gêneros discursivos podem também trazer o passo a passo da escrita e incentivar a leitura. Porém, não conseguem conceder à criança a possibilidade de imprimir uma voz própria no texto, mesmo porque são atividades controladas. Faltam oficinas que envolvam o aluno no processo de redigir textos, que possibilitem reflexão e que, de alguma maneira, gerem interesse em escrever. Nesse contexto, sujeitos-autores genuínos podem passar ao automatismo das regras.
Dos sete participantes da pesquisa, apenas duas estudantes se destacaram como “sujeito-autor”. Uma delas, pela consciência que tinha sobre temas externos à escola, sobre o que viria a ser uma pesquisa, sobre o porquê participar e pelo prazer que já tinha de escrever. A segunda, devido ao gosto da escrita que desenvolveu para não se sentir tão sozinha, como filha única. “Esta aluna escrevia histórias em capítulos e a pesquisa serviu para estimular mais a escrita em casa, a que dava mais prazer.”
A tese Escrita, Autoria e Ensino: um Diálogo Necessário para Pensar a Constituição do Sujeito-Autor no Contexto Escolar, foi defendida, em 2010, na Faculdade de Educação (FE) e orientada pela professora Alice Vieira, do Departamento de Metodologia do Ensino e Educação Comparada da FE.
* Publicado originalmente no site Agência USP.