A noção de que a escola serve para preparar para o mercado de trabalho é muito presente nos alunos, mas as atividades desenvolvidas nela não correspondem a essas expectativas. Esta é uma das conclusões de Flávia da Silva Ferreira Asbahr em sua tese de doutorado, intitulada Por que aprender isso, professora? Sentido pessoal e atividade de estudo na psicologia histórico-cultural, apresentada no Instituto de Psicologia (IP) da Universidade de São Paulo (USP).
Flávia é psicóloga escolar há dez anos e conta que observava que a aprendizagem por ela mesma não era um motivo que levava os estudantes à escola. Seu estudo, cujo objetivo era investigar o sentido que as crianças atribuíam à escola e quais suas motivações para irem até lá, constatou que a ideia de um ambiente que capacita para o mercado de trabalho é muito forte. Para a pesquisadora, as atividades realizadas pelas instituições não condizem com a visão que seus alunos têm, o que faz com que, num primeiro momento, elas percam seu sentido. Deste modo, a formação desejada acaba ocorrendo por intermédio de outros fatores. Segundo ela, o nosso modelo escolar é muito antigo e tradicional, e “nem sempre a forma com que o conteúdo é trabalhado reflete as necessidades das crianças ou adolescentes. Não é que elas não se interessam, é o jeito que é passado que as deixa distante de suas realidades”.
Para o estudo, orientado por Marilene Proença Rebello de Souza, a psicóloga passou um ano junto a uma sala da quarta série do Ensino Fundamental de uma escola pública municipal de São Paulo. Flávia explica que na quarta série as crianças já estão no fim de um ciclo escolar e possuem capacidade para fazer uma análise de seu ambiente de estudo. Neste período, a pesquisadora observou o cotidiano das crianças, criou situações orientadas de aprendizagem, realizou atividades em grupo para que os alunos pudessem falar sobre o tema por meio de brincadeiras e, por fim, fez entrevistas individuais com a professora e algumas crianças.
Das conclusões obtidas, Flávia surpreendeu-se com a importância dos vínculos de amizade. Segundo ela, o papel dos amigos é muito forte e eles são um motivo para ir à escola, o que acaba entrando em contradição com o método utilizado: “as crianças chegam, têm de sentar separadas dos amigos, não podem conversar. Ou seja, não se incentiva esse vínculo, é tudo muito individual. Na escola, as características próprias da criança não são aproveitadas, elas não aprendem a trabalhar em grupo”, acrescenta.
O professor
A psicóloga destaca, em sua tese, a grande importância do professor no processo de formação escolar e nos motivos da aprendizagem. Para ela, são eles que fazem com que os alunos verdadeiramente aprendam e que os auxiliam a perceber a importância daquele ambiente e do conteúdo. “Um dos grandes desafios do professor é saber como criar ou lidar com ações que produzam esses motivos para aprender”, completa.
Flávia acrescenta que a própria estrutura das escolas públicas acaba fazendo o trabalho dos docentes perder a prática pedagógica: a organização é burocrática, os professores são mal remunerados e, por isso, precisam fazer muitos turnos, as turmas têm muitos alunos (o que dificulta o cuidado individual), um professor não conhece o trabalho do outro. Deste modo, a pesquisadora acredita ser necessário mudar um pouco a cultura escolar, pois a escola e os professores precisam saber como olhar para as crianças para realizarem a prática pedagógica.
Psicologia histórico-cultural
A base teórica utilizada para a pesquisa foi a psicologia histórico-cultural, ramo da psicologia surgido no início do Século 20, na União Soviética. Os psicólogos da época preocupavam-se com a construção de um homem novo, e dedicavam atenção especial à educação, visto que a maior parte de sua população era analfabeta. Deste modo, a psicologia histórico-cultural cria uma nova psicologia para tratar do homem comum e suas atividades. Ela compreende o desenvolvimento humano a partir da periodização de atividades principais realizadas ao longo da vida.
Destas atividades, Flávia escolheu o estudo, que é a principal ocupação das crianças em idade escolar. A parte teórica de sua pesquisa é composta por uma investigação bibliográfica, cujo produto são sínteses teóricas sobre o objeto estudado. A pesquisadora enfatiza que a teoria tem grande importância em seu trabalho, complementando e dando respaldo a seu trabalho de campo.
A psicóloga acredita que a maior contribuição de sua pesquisa foi mostrar o que as crianças têm a dizer sobre o ambiente que frequentam e o modelo educacional, mostrando a opinião delas e sua contribuição. “Há muitas políticas educacionais que olham por fora da escola, mas deveriam olhar por dentro. Ao menos teoricamente, a escola tem que servir às crianças, por isso é importante saber o que elas pensam”. Além disso, ela vê em sua tese uma contribuição para os professores pensarem suas práticas, já que, sabendo o que os alunos pensam, fica mais fácil elaborar atividades que correspondam às suas expectativas com a escola.
* Publicado originalmente no site Agência USP.