Todo período de chuva é igual na capital paraense. Os canais da cidade transbordam e inundam ruas. A água leva, para dentro de centenas de casas, lixo, animais como insetos, ratos e cobras, além da possibilidade do contágio por doenças. Meteorologistas apontam que hoje chove mais na Amazônia em comparação há cem anos. Mas as mudanças climáticas não são a única justificativa do transtorno que o excesso de água causa em várias cidades amazônicas. O lixo é um dos principais causadores das enchentes.
Uma pesquisa realizada pelo Fantástico, programa da Rede Globo, identificou Belém como a terceira capital mais suja do Brasil, perdendo apenas para Fortaleza e Salvador, que ficou em primeiro lugar. O Rio de Janeiro ocupa a quarta posição no ranking. “O lixo continua sendo o principal causador das enchentes. Ele impede o escoamento da água da chuva. No futuro, as cidades ficarão inundadas por mais tempo”, anuncia o meteorologista e coordenador do Segundo Distrito do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), José Raimundo Souza.
As cidades ficam mais tempo debaixo d’água porque também, hoje, o índice pluviométrico aumentou. De 1900 até o ano passado, choveu mais de 500 milímetros (mm), ou seja, 30% a 40 % a mais em comparação a cem anos atrás. “As chuvas se intensificaram por causa do aumento da temperatura. Está 0,7ºC, 0,8ºC, mais quente”, aponta o meteorologista. O calor intensifica a evaporação (das águas) dos rios e baias, formando nuvens, fato que justifica a ocorrência das tempestades em Belém. As interferências do homem na natureza também provocaram a mudança do horário da chuva que, das tradicionais duas horas da tarde, mudou para as quatro da tarde. De acordo com o meteorologista, até julho, o belenense conviverá com chuvas intensas.
José Raimundo Souza acredita que o homem interfere muito pouco no aquecimento do planeta. Segundo ele, o aumento de CO2 na atmosfera é um processo natural. Há um século, quando a atividade industrial e o número de automóveis era menor em comparação a hoje, a concentração do gás poluente na atmosfera era muito próxima da atual. Na opinião dele, o aquecimento global é uma resposta natural do planeta. “É discutível que o aquecimento global tenha interferência do homem. Até 1980, não existia desmatamento grande. Emissão de gases poluentes, desmatamento não contribuem para o aquecimento do planeta”, justifica.
Mas a população de Belém contribui para a reincidência das enchentes ao não se preocupar com o destino do lixo. Qualquer lixo que seja jogado na rua, o destino dele é se tornar um entrave para o fluxo da água pelas áreas de escoamento. A Prefeitura Municipal de Benevides se preocupou com o destino das garrafas descartáveis de refrigerantes e organizou uma campanha de arrecadação no Município.
Estudantes de todas as escolas de Benevides e a comunidade se mobilizaram para arrecadar garrafas pet. A matéria-prima é utilizada anualmente na confecção da decoração natalina da cidade. No último Natal, cerca de um milhão de garrafas viraram arranjos de flores, guirlandas, pinheiros, bengalas, estrelas e até um presépio. Os enfeites são confeccionados na Fábrica dos Sonhos, um galpão onde trabalharam 150 pessoas contratadas pela Prefeitura. Além de reaproveitar o material tradicionalmente jogado fora, a atitude ecologicamente correta também gera emprego e renda.
Os funcionários, na maioria mulheres, aprenderam a técnica com decoradores responsáveis pela decoração natalina de Gramado, no Rio Grande do Sul. Anualmente, a partir de junho, os artesãos da Fábrica dos Sonhos participam de minicursos mensais sobre a confecção dos arranjos. Membro da coordenação, Izi Noronha disse que a população local já se mostra mais preocupada com o destino do lixo. “A conscientização do Município aumentou bastante (desde o evento realizado em 2009, primeiro ano da iniciativa)”, avalia. Para o artesão Rafael Silva, 19 anos, além de fonte de renda extra, o trabalho é uma forma de contribuir para a preservação do meio ambiente. “Além de me ajudar, ajuda o meio ambiente e eu fico muito orgulhoso com a decoração da cidade”, disse.
A ação da Prefeitura também contribui para a arrecadação de receita do Município. No último Natal, foram cerca de 200 mil turistas que visitaram Benevides para conhecer a decoração natalina, que contou também com programação cultural. Um coral e o desfile do Papai Noel realizado durante o mês que a decoração enfeitou a cidade. Um público convidativo para os moradores da Benevides que se esmeram na preparação de comidas e bebidas comercializadas, além dos brindes e produtos natalinos. A mesma proposta de um Natal ecologicamente correto foi adotada pela Prefeitura Municipal de Belém, que também incluiu os distritos de Outeiro, Icoaraci e Mosqueiro.
Cada vez mais é maior o número de pessoas preocupadas com hábitos ecologicamente corretos. Em vários pontos de Belém, a sociedade civil se organiza para separar o lixo, reciclar e reaproveitar os materiais descartados. A aposentada Antonieta Campos da Silva, de 82 anos, separa o lixo em casa há pelo menos cinco anos. “Não custa nada fazer uma boa ação que dura poucos minutos. Tem gente que sobrevive da venda de latas e papelão”, diz.
Na casa do engenheiro civil, Marcus Vinícius Neto, 45 anos, a utilização de energia solar para aquecer a água do chuveiro demonstra a preocupação com o meio ambiente. “A caixa d’água recebeu a cobertura de uma capa térmica que aquece com a luz solar. O engenheiro também planta vegetais no quintal para a alimentação da família. “Planto o que for possível, mesmo sem muito espaço reservei uma área para plantar temperos e algumas verduras, reutilizo a água da chuva para irrigar”, diz.
Para Marcus, a soma das condutas ecologicamente corretas beneficia o meio ambiente. Segundo ele, o consumo sustentável também é uma forma de poupar os recursos naturais. “Se cada um fizer sua parte todos contribuiremos para a melhoria da qualidade de vida no nosso planeta, mas infelizmente não basta só ter força de vontade. Existem diversas formas de contribuirmos para o desenvolvimento sustentável, mas infelizmente ainda não temos o apoio necessário para isso. Além dos custos altos de materiais como placas de energia solar, é difícil separarmos o lixo em casa quando ainda não existe coleta seletiva no nosso bairro. E também é importante investir na educação.”
As amigas Luciana Bezerra, Alina Gomes e Diana Leão são fundadoras de um grupo de voluntários que realiza mutirões de limpeza em Belém. Quando morava na Alemanha, Diana Leão participou de um ato de limpeza coletiva em uma praia do país. Adolescentes e jovens tiraram um dia de folga para livrar a areia branca de madeira, vidros, plásticos e de objetos que foram levados para lá pela correnteza. Lixo que veio de várias cidades litorâneas da Europa.
O exemplo ela trouxe para Belém nas últimas férias. A estudante de design convidou voluntários pela internet. Cerca de 20 pessoas limparam um terreno baldio no bairro da Cremação. “Aquele terreno fica no caminho da faculdade. Passei várias vezes por ali e me incomodei. Pensei ‘não vou esperar a Prefeitura para fazer algo’. Foi então que tive a ideia do mutirão”, lembra.
* Andressa Gonçalves e Isis de Mello são jornalistas recém-formadas pela Universidade da Amazônia (Unama), Belém (PA). Trabalho produzido para a disciplina Jornalismo Científico e Ambiental, ministrada pelo professor Rogério Almeida.
** Publicado originalmente pelo Ecodebate e retirado so site Mercado Ético.