Berlim, Alemanha, 20/5/2011 – Mais de quatro anos depois que a União Europeia (UE) começou a negociar um acordo comercial com a Índia, o processo continua paralisado por causa da insistência do bloco em manter a chamada cláusula de exclusividade de dados, apesar da forte oposição de Nova Délhi e de organizações não governamentais. A UE e o governo indiano iniciaram as negociações para um tratado de livre comércio em abril de 2007.
Já desde o começo ficou claro que a exigência da UE para que Nova Délhi aceitasse a cláusula significaria um obstáculo importante. A exclusividade de dados proibiria a indústria farmacêutica da Índia de utilizar fórmulas disponíveis de produtos já patenteados, especialmente medicamentos, para fabricar cópias genéricas e de baixo custo acessíveis para pacientes dos países do Sul em desenvolvimento.
A cláusula “é uma porta dos fundos para que os laboratórios multinacionais formem monopólios e cobrem altos preços, ainda que seu medicamento não mereça uma patente ou esta tenha expirado. A exclusividade de dados se aplicaria a todas as drogas”, disse à IPS Leena Menghaney, diretora da campanha da Médicos Sem Fronteiras (MSF) por acesso a remédios essenciais. O MSF é uma organização internacional independente e humanitária que presta ajuda médica de emergência a pessoas afetadas por conflitos armados, epidemias, exclusão dos sistemas de saúde e desastres naturais ou causados pelo homem.
Menghaney recordou que a “Índia é chamada de farmácia do Sul em desenvolvimento”. Por exemplo, mais de 80% dos medicamentos usados pelo MSF para tratar 170 mil pessoas com HIV/aids procedem da Índia. Doadores internacionais necessitam dos genéricos indianos em proporções similares. Muitos Estados pobres da África dependem dessas drogas para 90% de suas necessidades de saúde.
Os genéricos são essenciais para combater doenças endêmicas como aids, tuberculose e malária, na África e em outras regiões pobres. A cláusula de exclusividade de dados impediria companhias indianas fabricantes de genéricos de fornecer mais medicamentos acessíveis a pessoas no Sul, disse Menghaney. O não governamental Observatório da Europa Corporativa (CEO) acusou a Comissão Europeia, órgão executivo da UE, de manter a cláusula em cumplicidade com a indústria farmacêutica.
Em fevereiro de 2010, o CEO apresentou acusações contra a Comissão Europeia por “reter documentos relacionados com as conversações comerciais da UE com a Índia”. O caso ainda continua no Tribunal Geral do bloco. O CEO, grupo especializado em revelar a influência das indústrias europeias nas relações comerciais e de investimentos do bloco no Sul em desenvolvimento, acusou a Comissão de “discriminar a favor do lobby corporativo e violar as regras de transparência da UE”.
“Nosso caso se baseia em numerosos documentos da Comissão Europeia, incluindo atas de reuniões, emails e uma carta que o Diretório de Comércio enviou às associações de indústrias europeias, como BusinessEurope e Confederação de Indústrias de Alimentos e Bebidas da Europa”, disse à IPS Pia Eberhardt, pesquisadora do CEO.
Eberhardt afirmou que enquanto os grupos de pressão recebiam versões completas dos documentos, a Comissão Europeia divulgava apenas versões censuradas aos grupos da sociedade civil, argumentando que de outra maneira seriam “minadas” as relações internacionais da União Europeia. Após numerosos adiamentos dos prazos para responder ao CEO, a Comissão tornou pública uma lista com 170 documentos relacionados com as negociações, incluindo atas de reuniões, cartas e emails.
“Desses papéis, 50 documentos foram apenas parcialmente divulgados, e mais de 30 ficaram completamente retidos, incluindo troca de emails e atas de reuniões com as companhias farmacêuticas europeias Sanofi-Aventis, Eli Lili e GalxoSmithKline, e com o grupo de pressão farmacêutica EFPIA”, disse Eberhardt. EFPIA é a siga da Federação Europeia de Indústrias e Associações Farmacêuticas. O CEO diz que todos esses grupos pressionaram a Comissão Europeia para que defendesse os direitos de propriedade intelectual introduzindo a cláusula de exclusividade de dados no acordo negociado com a Índia.
Madi Sharma, do Comitê Econômico e Social Europeu (EESC), disse que as negociações entre Bruxelas e Nova Délhi “não são transparentes”. O EESC é um órgão consultivo da UE criado para aconselhar suas instituições, e é considerado oficialmente uma “ponte entre a União Europeia e a sociedade civil organizada”. Em abril, Sharma, encarregada de acompanhar e apresentar um relatório sobre o processo de negociações com a Índia, apresentou suas “considerações preliminares” à imprensa em Bruxelas.
Sharma pediu a suspensão das conversações até a realização de estudos para “avaliar os prováveis riscos econômicos e sociais para a sociedade indiana”. Por seu lado, Nova Délhi continua se opondo à exclusividade de dados. Em março, o ministro de Comércio e Indústria indiano, Shri Anand Sharma, rejeitou a cláusula, por ir “muito além” das obrigações comerciais internacionais, e alertou que pode ter um importante impacto na distribuição de medicamentos genéricos.
Uma semana depois, em 7 de abril, o comissário de Comércio da UE, Karel de Gucht, disse no Parlamento Europeu que “a proteção de dados poderia ser conciliada com o acesso a remédios por meio de instrumentos como as licenças obrigatórias ou as exceções para necessidades de saúde pública”. As negociações entre Bruxelas e Nova Délhi estão em sua décima rodada, depois do fracasso da última em março devido a esta disputa. Está prevista uma reunião de cúpula Índia-UE para 10 de dezembro, em Bruxelas. Envolverde/IPS