La Paz, Bolívia, 5/7/2013 – Bandeiras da União Europeia queimadas por indígenas e uma cúpula de urgência da União de Nações Sul-Americanas (Unasul), ontem, integram a reação da Bolívia e de seus vizinhos da região à decisão de Espanha, França, Itália e Portugal de proibir o uso do espaço aéreo ao avião presidencial de Evo Morales. O incidente, originado pela suposta suspeita de que a bordo da aeronave do governo da Bolívia viajava Edward Snowden, o denunciante da Agência Nacional de Segurança (NSA) dos Estados Unidos, desatou na Bolívia uma onda de protestos e indignação à qual também se somaram opositores de Morales.
Também imediata foi a resposta de apoio ao mandatário e de rejeição à atitude dos quatro países europeus por parte de vários presidentes da Unasul, que tinha marcado para ontem uma cúpula extraordinária de urgência na cidade boliviana de Cochabamba, segundo o vice-presidente Álvaro García. Esse encontro, para o qual haviam confirmado presença os presidentes José Mujica, do Uruguai, Cristina Fernández, da Argentina, e Nicolás Maduro, da Venezuela, foi convocada a título de apoio a Morales e ao povo boliviano, acrescentou García.
O vice-presidente também anunciou, por meio da chancelaria, que serão convocados os representantes diplomáticos em seu país das quatro nações envolvidas para pedir-lhes explicações pelo incidente que derivou em um escândalo internacional. E recordou que Morales, de origem indígena aymara, teve, ao começar seu mandato em janeiro de 2006, pleno apoio político e econômico dos países integrantes da União Europeia.
A tensa situação vivida no entardecer do dia 3 por Morales e sua comitiva, integrada por colaboradores próximos que regressavam de Moscou onde participaram da II Cúpula do Fórum de Países Exportadores de Gás (FPEG), terminou com um pouso de emergência em Viena após França, Espanha, Portugal e Itália, não autorizarem o uso de seu espaço aéreo. O mandatário, após permanecer 14 horas no aeroporto de Viena, retomou a viagem para seu país após obter autorização de sobrevoo por quatro países europeus, e após uma escala técnica nas Ilhas Canárias (espanholas).
“Uma onda de identidade” surgiu após o incidente que mostrou um país isolado diplomaticamente dos Estados Unidos e em risco de esfriar suas relações com a Europa, disse à IPS o ex-chanceler Armando Loaiza. A condição de um presidente indígena a quem foi negada imunidade e privilégios diplomáticos gerou enorme adesão de seus seguidores que esperavam pelo retorno de Morales em improvisadas concentrações populares. “Não podia permitir que revistassem o avião porque não sou nenhum criminoso e, segundo vocês sabem, por normas internacionais é avião oficial. O presidente tem imunidade inviolável, e é seu direito transitar em qualquer parte do mundo”, declarou Morales à agência estatal de notícias ABI, antes do reinício de sua viagem em Viena, na madrugada do dia 4.
Sobre este particular surgiram versões contraditórias vindas da Áustria. Enquanto o ministro da Defesa da Bolívia, Rubén Saavedra, afirmava que o presidente se negara “categoricamente” a deixar que revistassem a aeronave, o vice-chanceler austríaco, Michael Spindelegger, dizia que as autoridades aeroportuárias haviam feito a revista e comprovado “que todas as pessoas a bordo são cidadãos bolivianos”. O vice-presidente García disse que, na realidade, o ocorrido no aeroporto de Viena foi que as autoridades austríacas fizeram “uma inspeção protocolar”, como ocorre com qualquer voo, onde se aproximam até à escada e a porta do avião. Mas não foi permitido, nem nunca será, que se faça algum tipo de revista ilegal”, ressaltou.
Nas ruas das duas principais cidades da Bolívia, grupos de seguidores do presidente fizeram atos de protesto diante das embaixadas da Espanha e da França. Em La Paz, um grupo de indígenas vestindo ponchos vermelhos, queimaram as bandeiras da Espanha e da União Europeia, segundo imagens transmitidas por redes de televisão privadas. A sede diplomática espanhola, na capital boliviana, fechou suas portas prevendo incidentes.
Em entrevista à IPS o parlamentar opositor e líder da coalizão Convergência Nacional (CN), Adrián Oliva, lamentou que a política governamental em matéria de diplomacia afaste a Bolívia dos Estados Unidos, por razões ideológicas, e também marque diferenças com o Brasil por questões políticas e econômicas. Oliva atribuiu os incidentes à pré-disposição de Morales de dar asilo a Snowden, uma posição que o colocou sob suspeita. “A ideia de expulsar embaixadores só serviria para prejudicar as relações com outras nações e provocaria a suspensão de projetos de apoio, com efeitos negativos para os mais pobres”, destacou Oliva, referindo-se à convocação pelo governo dos representantes dos quatro países europeus protagonistas do incidente.
Por sua vez, Loaiza recomendou prudência nas reações diplomáticas e pediu ao governo que esperasse as resoluções da Unasul antes de adotar ações junto a outras instâncias internacionais. A respeito de tudo isto, o governo de Portugal divulgou uma declaração ambígua e pouco clara sobre o assunto. O comunicado da chancelaria diz que cancelou autorização de sobrevoo e uso do terminal aéreo ao avião boliviano “por considerações técnicas”. Por outro lado, o semanário Expresso assegura, citando uma fonte também da chancelaria portuguesa, que as autorizações para pouso e uso do espaço aéreo “foram canceladas por razões diplomáticas e não técnicas”.
Em termos enérgicos, o chefe do grupo de deputados comunistas de Portugal, Bernardino Soares, criticou o governo conservador do primeiro-ministro Pedro Passos Coelho. “Trata-se de uma atitude que viola todas as regras do direito internacional, de gestão do espaço aéreo e das relações diplomáticas ativas entre países soberanos, que deixam Portugal muito mal visto perante o mundo”, ressaltou.
A deputada socialista no Parlamento Europeu, Ana Gomes, também questionou a dupla moral dos governos do bloco que impediram a passagem do avião de Morales, enquanto até há algum tempo autorizavam voos da Agência Central de Inteligência (CIA) que transportavam ilegalmente prisioneiros para a base de Guantânamo, o enclave militar dos Estados Unidos em Cuba.
Para Rui Tavares, eurodeputado do grupo Verdes, o incidente é “um exemplo da hipocrisia dos governos”, como o de Portugal, que não teve a mesma preocupação quando “aviões com pessoas sequestradas ilegalmente eram enviadas a centros de tortura, a prisões secretas ou para Guantânamo, como se fosse legal, e que passavam por seu território”. Sua colega no Parlamento Europeu, Inês Zuber, afirmou que se dirigirá ao Conselho Europeu para esclarecer se existiu alguma coordenação na proibição do sobrevoo e na aterrissagem da aeronave presidencial da Bolívia nos países europeus. Envolverde/IPS
* Com a colaboração de Mario Dujisin, de Portugal.