
Caracas, Venezuela, 8/8/2014 – A América Latina é a região do mundo onde os governos apoiaram de maneira mais decidida a causa de Gaza diante dos ataques de Israel, com a retirada de alguns embaixadores de Tel Aviv e duros pronunciamentos de vários presidentes contra os ataques ao povo palestino. Mas, paradoxalmente, dizem alguns especialistas, essa solidariedade a priva de jogar um papel determinante na busca internacional por conter, reduzir ou resolver o conflito.
“O desejável seria aproveitar a distância geográfica e as relações com os povos do Oriente Médio para ajudar a deter o confronto”, disse à IPS a ex-diretora da Escola de Estudos Internacionais da Universidade Central da Venezuela, Elsa Cardozo. A América Latina “tem, ainda, a autoridade de ser uma zona livre de conflitos de natureza religiosa ou existencial como nações, o que lhe dá um aval para se pronunciar, por exemplo, diante dos horrendos ataques de Israel sobre objetivos civis palestinos”, afirmou.
Mas “sua tomada de partido militante e com antecipação priva a região de autoridade para pressionar as duas partes, porque esta autoridade não se ganha tomando partido, mas condenando cada ação de cada ator que viole direitos essenciais”, pontuou a especialista. Desde que Israel iniciou, no dia 8 de julho, a operação Margen Protector, com bombardeios inclementes sobre a Faixa de Gaza, acontecem declarações de condenação dos governos de Argentina, México, Nicarágua e Uruguai, e chamaram para consulta seus embaixadores em Tel Aviv as chancelarias do Brasil, Chile, Equador e Peru.
Desde a operação Chumbo Derretido, que Israel despejou sobre Gaza no final de 2008, já haviam rompido relações com Tel Aviv os governos da Bolívia e da Venezuela, enquanto Cuba as tem rompidas desde 1973 e enfrenta diplomaticamente Israel e dá seu aberto apoio aos movimentos de Libertação da Palestina. No dia 29 de julho, durante uma cúpula em Caracas, quatro dos cinco presidentes do Mercosul emitiram uma declaração condenando “energicamente o uso desproporcional da força por parte do exército israelense na Faixa de Gaza, que afeta principalmente civis, incluindo mulheres e crianças”.
“Também condenamos qualquer tipo de ação violenta contra populações civis em Gaza”, diz o texto assinado por Cristina Fernández (Argentina), Dilma Rousseff (Brasil), José Mujica (Uruguai) e Nicolás Maduro (Venezuela). O presidente do Paraguai, Horacio Cartes, se absteve de assinar, embora seu país seja parte do bloco. Nos países latino-americanos, houve manifestações de solidariedade com Gaza e a causa palestina pelo menos em Argentina, Brasil, Colômbia, Costa Rica, El Salvador, México, Nicarágua, Panamá e Venezuela.
Nas primeiras quatro semanas da guerra contra Gaza morreram pelo menos 1.830 palestinos, três quartos deles civis, e 67 israelenses, dos quais 64 soldados, segundo dados obtidos na área.
O presidente do Equador, Rafael Correa, cancelou sua viagem a Israel e Palestina, prevista para este semestre, e declarou que seu país “tem de continuar denunciando este genocídio que está sendo cometido” na Faixa de Gaza. Em 29 de julho, o presidente da Bolívia, Evo Morales, anunciou que seu país colocava Israel na lista de “Estados terroristas” pelo que considerou um “genocídio” e ação desumana contra os assentamentos civis em Gaza.
No dia 4, José Mujica definiu também como “genocídio” a ofensiva contra o povo de Gaza, enquanto seu chanceler, Luis Almagro, afirmou que é avaliada “toda relação diplomática com Israel”. Sobre a atuação de Israel, Mujica disse que “todos têm direito de se defender, mas há defesas que não podem ser feitas”. Maduro também condenou duramente a ofensiva israelense, qualificando-a de “massacre horroroso. Razão têm os que a comparam ao genocídio vivido pelo próprio povo judeu nas mãos da direita intolerante que teve seu máximo líder em Adolf Hitler”.
O chanceler venezuelano, Elías Jaua, anunciou no dia 6, no Cairo, que a Venezuela enviará 16 toneladas de ajuda humanitária a Gaza, via Egito. Fundos para compra de 15 ambulâncias e 240 mil barris de combustíveis no restante do ano, com base em acordos que a entidade Petropalestina manejará. Sua viagem ao Cairo teve como objetivo coordenar essa ajuda, reiterar o compromisso com a população palestina, visitar vítimas dos bombardeios refugiadas no Egito, e reafirmar a oferta do país de receber crianças palestinas que ficaram órfãs durante os ataques do mês passado.
Kenneth Ramírez, presidente do privado Conselho Venezuelano de Relações Internacionais, informou à IPS que a Venezuela, um centenário produtor de petróleo, “pode contribuir para o desenvolvimento dos hidrocarbonos presentes na Palestina (principalmente diante de seu litoral) e sua transformação em oportunidades de desenvolvimento para esses povos”.
Também da Organização das Nações Unidas (ONU) – onde é candidata a um posto não permanente no Conselho de Segurança no biênio 2015-1016 –, a Venezuela “poderá contribuir com os esforços internacionais que permitam uma mudança na dinâmica atual, mas para isso deve evitar insistir em posições parciais neste conflito”, pontuou Ramírez.
Milos Calcalay, ex-embaixador da Venezuela na ONU, recordou à IPS que “dentro da organização mundial, desde 1947, a América Latina sempre apoiou o estabelecimento de dois Estados, israelense e palestino, ao contrário dos países árabes que apoiavam a formação de um só Estado. Lamentavelmente, essa posição de equilíbrio se faz de um lado e se perde, assim, a oportunidade de entendimento com todas as partes em confronto”.
“A América Latina deve passar a mensagem de que chora todos os mortos, que condena as ações militares israelenses e as provocações feitas pelos extremistas que se opõem, sempre com o objetivo de alcançar e consolidar um cessar-fogo e o caminho da paz”, destacou Alcalay, que também foi vice-chanceler.
“Não restam interlocutores estatais válidos para mediar, em boa parte porque são atores que falharam em suas tentativas de mediação e assumiram posições polarizadas quanto ao conflito de Gaza”, opinou à IPS o especialista Andrés Serbin, presidente da acadêmica Coordenadoria Regional de Pesquisas Econômicas e Sociais, baseada em Buenos Aires.
Diante da falida mediação dos Estados Unidos e da ONU, “as alternativas são as ações da sociedade civil. Os primeiros esforços apontam para o alerta e a prevenção, e, diante da escalada da violência como a que vemos atualmente em Gaza, iniciativas de diplomacia cidadã e campanhas dirigidas a reabrir o diálogo”, ponderou Serbin.
Ramírez, sintetizando, afirmou que “Israel não pode continuar com a guerra com o Hamas sem corrosão de sua legitimidade internacional. E o Hamas não pode continuar brincando com fogo, já que a permanente divisão das facções palestinas não contribui para concretizar o Estado palestino”. Envolverde/IPS