América Latina: Desintegração regional depois de Chávez?

José María Lladós, do Conselho Argentino para as Relações Internacionais e Joaquín Roy, diretor do Centro da União Europeia da Universidade de Miami

Barcelona, Espanha, julho/2011 – Embora o desenvolvimento da convalescência, recuperação, sobrevivência ou desaparecimento de Hugo Chávez, após sua séria intervenção cirúrgica, esteja sujeito a especulação, duas dimensões da estrutura política e econômica latino-americana devem ser analisadas. Em primeiro lugar está o futuro do tecido político venezuelano, onde a liderança de Chávez já sofrera reveses antes de sua viagem a Havana. Duvidava-se se seria capaz de manter-se no poder até o final da década. Agora as perspectivas são mais precárias.

Em segundo lugar, o estado médico de Chávez deverá ter um impacto notável na trama de integração regional, nas alianças políticas, nos esquemas de cooperação e livre comércio e na criação de novos órgãos de coordenação latino-americana. Nem tudo será igual no caso de Chávez desaparecer, pelo menos para ter a influência da qual desfruta. Três órgãos de alcance continental poderão deixar de ser iguais após o contratempo do líder venezuelano: Unasul, Alba e Organização dos Estados Latino-Americanos e do Caribe (OELC), que deveria ser implantada na próxima semana em Caracas.

Já antes do anúncio da cirurgia de Chávez, houve a decisão de adiar até novo aviso a cúpula que daria o certificado de nascimento do que se interpreta como uma OEA sem Estados Unidos e Canadá. Qualquer tentativa de dar maior coesão à integração e coordenação estritamente latino-americana é elogiável e desejável. Porém, o perfil veladamente anti-Estados Unidos poderia converter a experiência em foco de desacordo entre alguns países latino-americanos que não desejam tensionar em demasia a corda com o gigante do norte. Dali recebem a maior parte de seu comércio exterior e os investimentos norte-americanos se mantêm em um nível usual. Sem Chávez, as rédeas da nova organização serão um peso muito forte para líderes com desejos de centralização, como o mexicano Calderón. Não seria de estranhar que a OELC nasça morta.

A alternativa da União Sul-Americana continua sendo uma incógnita. O esquema, defendido pelo ex-presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, de ancorar a hegemonia de seu país no subcontinente ao sul do Panamá foi qualificado positivamente por amplos setores da opinião pública latino-americana e por sua comunidade de centros de estudos. Embora em absoluto possa ser considerada geradora de integração no sentido estrito do rastro da União Europeia (UE), a Unasul começou a funcionar como um fórum de consultas, eixo de experimentos de defesa subcontinental e mecanismo de luta contra alguns desafios formidáveis. O terrorismo, a criminalidade, o tráfico de drogas e de pessoas são alguns dos temas na nova organização, já com sua sede em Quito, que têm potencial. O possível desaparecimento de Chávez pode não representar um impacto considerável. Tudo depende do interesse do Brasil e o que seus vizinhos permitirem a Dilma Rousseff, a enérgica sucessora de Lula.

A saúde de Chávez, por outro lado, incidirá notavelmente no funcionamento da Aliança Bolivariana dos Povos de Nossa América (Alba), uma invenção pessoal do presidente venezuelano. Sem estruturas institucionais, com o próprio palácio presidencial como seu porta-voz, a Alba tem sido até agora meramente um sistema de troca, longe de ser uma organização de integração regional. O capital central do esquema tem sido o petróleo venezuelano, oferecido a preços especiais a outros países da área, ou trocado por serviços especiais. Cuba é o sócio mais destacado. A Venezuela fornece petróleo e Cuba em troca envia médicos e professores, além de agentes de segurança. Cada um dos demais sócios participa segundo suas conveniências e necessidades, especialmente o Equador de Rafael Correa e a Nicarágua dos sandinistas. Sem Chávez, a Alba pode ficar em pedaços, e seu sonho do Sucre, uma espécie de euro sul-americano, ser peça de museu virtual.

Paradoxalmente, o desaparecimento de Chávez poderia dar novos brios aos demais esquemas de integração regional, com maior ambição de seguir o caminho da UE, pelo menos como ponto de referência, como foram até o final do século anterior. Foi Chávez que deu o que foi considerado o golpe de morte na Comunidade Andina (CAN), ao fechar a porta para ela e então entrar no Mercosul. Chávez protestou dessa maneira contra as tentativas de Peru e Colômbia de conseguir tratados comerciais separados com Estados Unidos e União Europeia. O Chile não deu sinais de ampliar seu status de observador (foi membro pleno da CAN em seu momento) e a Bolívia ameaçou abandoná-la totalmente.

Mistério maior representa o estado do Mercosul, ainda com o expediente da entrada da Venezuela, vetada sigilosamente por setores brasileiros e paraguaios. No momento, a existência da Venezuela no “mercado comum do sul” se reduz à colocação da bandeira bolivariana na sede de Montevidéu. Graças aos seus avanços nas negociações com a UE, o Sistema de Integração Centro-Americana (Sica), herdeiro modesto do antigo Mercado Comum Centro-Americano, pode seguir os passos positivos recentes.

A rigor, será preciso esperar clarear o panorama venezuelano e, sobretudo, que sejam dados os passos decisivos nas próprias forças latino-americanas de integração. No momento, seguirá a tônica de estabelecer acordos de livre comércio, individuais ou por meio de blocos frágeis com Estados Unidos e União Europeia. Chávez o contemplará até os limites de sua saúde. Envolverde/IPS

* Joaquín Roy é catedrático Jean Monnet e diretor do Centro da União Europeia da Universidade de Miami ([email protected]).