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Analistas alertam para deterioração da democracia na Venezuela

Caracas, Venezuela, 13/5/2010 – Após a última das 18 eleições na Venezuela em 15 anos, a democracia não prosperou, pelo contrário, se deteriora, se militariza e caminha para formas autoritárias de governo, afirmam analistas antes de completar um mês da eleição de Nicolás Maduro para a presidência do país.

A Venezuela “vive uma crise política e o Estado tenta superá-la com mais autoritarismo e mais repressão, ainda que seletiva”, disse à IPS a historiadora Margarita López Maya, diretora do conselho latino-americano de Ciências Sociais. “Não se cria uma situação de ditadura, como as clássicas conhecidas na região, mas paulatinamente diminui a democracia”, acrescentou esta professora titular no Centro de Estudos do Desenvolvimento da Universidade Central da Venezuela.

A questão da qualidade democrática ressurgiu tão logo Maduro assumiu o cargo para cumprir o mandato entre 2013 e 2019 para o qual havia sido reeleito em outubro Hugo Chávez, que governou o país de 1999 até sua morte, vítima de câncer, em 5 de março. Seu adversário, Henrique Capriles, líder da heterogênea oposição, pediu uma auditoria integral das eleições, mas o poder eleitoral decidiu realizá-la de forma limitada, após ratificar que Maduro obteve 50,61% dos votos válidos e Capriles 49,12%.

A União de Nações Sul-Americanas (Unasul) recomendou, no dia 18 de abril, um dia antes do juramento de Maduro, a realização dessa auditoria para resolver a controvérsia. No dia 2 deste mês, Capriles entrou com recurso de impugnação total das eleições e cinco dias depois com outro, de impugnação parcial, junto ao Supremo Tribunal de Justiça, cujo acatamento a corte deve decidir nos próximos dias. Durante esta segunda semana de maio, dirigentes do governo, começando pelo presidente Maduro, e da oposição viajaram pela América do Sul para exporem seus diferentes pontos de vistas sobre a crise política.

O presidente da Assembleia Nacional Legislativa, Diosdado Cabello, um militar da reserva, recusou-se a dar direito de palavra aos deputados de oposição se não declarassem de viva voz que reconheciam Maduro, e destituiu os opositores que dirigiam comissões parlamentares. Na sessão de 23 de abril, da bancada oficialista foi atirado um microfone que machucou o rosto do deputado opositor William Dávila. Sete dias depois, os deputados opositores tocaram cornetas e apitos no plenário para calar a voz dos oficialistas, em protesto por serem impedidos de se pronunciar.

Também exibiram um cartaz onde se lia “Golpe no Parlamento”, o que serviu de sinal para alguns deputados oficialistas se atirarem sobre os opositores, e, na confusão, 11 legisladores ficaram feridos, incluindo dois com ossos do rosto quebrados: María Corina Machado e Julio Borges, da bancada oposicionista. Segundo Elías Pino, da Academia da História, uma situação assim não se vivia desde um sangrento ataque ao Congresso por seguidores do presidente José Tadeo Monagas, em 1848.

Cabello havia declarado dias antes que o presidente Chávez “era como o muro de contenção das loucuras que às vezes aconteciam” no governante Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), que lidera após a morte de seu líder histórico. Entretanto, foi preso o general da reserva Antonio Rivero, que passou para a oposição depois de servir nos governos de Chávez como diretor de Proteção Civil.

Rivero foi acusado de “associação para delinquir”, com base em uma lei antiterrorista sancionada há um ano, depois que um vídeo o mostrou dando instruções a jovens que protestavam nas ruas de Caracas depois da vitória de Maduro. Em várias cidades do interior, houve grandes manifestações, algumas duramente reprimidas pela polícia e pela militarizada Guarda Nacional, com saldo de vários feridos e dezenas de detidos. Pelo menos duas sedes de partidos, do PSUV e da opositora Ação Democrática, foram incendiadas.

Em paralelo, o governo denunciou que militantes opositores atacaram em vários Estados do país centros de saúde de “missões” atendidas por médicos cubanos e que dez partidários do PSUV morreram baleados em razão desses ataques, na semana posterior às eleições. A Procuradoria Geral investiga essas mortes.

Maduro declarou “heróis da pátria” seus partidários mortos nos protestos dos opositores, e o chanceler Elías Jaua disse que “a burguesia atacou missões diplomáticas e descarregou seu ódio contra o povo”. Governo e dirigentes oficialistas acusaram Capriles de instigar os desmandos, e a ministra de Serviços Penitenciários, Iris Varela, declarou que já tem pronta a cela para o ex-candidato, e também que os parlamentares de oposição “mereciam esses socos”. “

É gravíssimo que as cabeças dos poderes públicos usem essa linguagem, tenham essa conduta e que Maduro não os desautorize. As relações entre Estado e sociedade reguladas pela civilidade, isto é, pelo reconhecimento, pelo respeito ao outro, pelo diálogo para construir consensos, vivem seu crepúsculo”, disse López Maya. Para ela, “a democracia venezuelana morre entre o autoritarismo militar, que se cristaliza, e a anarquia. Um regime ser de direita ou de esquerda é a mesma coisa, um lamentável retrocesso político”.

Maduro “demonstrou, no pouco tempo de gestão que tem, uma vocação autoritária”, disse à IPS o coordenador da organização não governamental humanitária Provea, Marino Alvarado. Esta entidade, ao denunciar a repressão das manifestações pós-eleitorais, foi acusada pelo chanceler Jaua e pelo ministro de Informação, Ernesto Villegas, de ser “retaguarda do fascismo”. Outra característica de Maduro é o intenso uso dos termos “fascista” e “fascismo”, que oficialistas e opositores atribuem ao outro lado da luta política.

O Fórum pela Vida, uma coalizão de organizações humanitárias, reclamou da conduta dos poderes públicos, condenou a violência no parlamento, pediu o fim da repressão e que sejam abertos espaços de diálogo e respeito entre os contendores políticos.

Alvarado também observou “uma redução nos direitos políticos da população quando são cerceados os direitos de representação e palavra de deputados eleitos pelo povo”. Também expressou preocupação por “uma militarização crescente da sociedade e do Estado, continuada por Maduro com a colocação de mais oficiais em cargos de natureza civil e sua ordem de colocar militares para vigiar e patrulhar zonas urbanas”.

Para enfrentar um aumento da atividade criminosa, que deixou apenas em Caracas 498 mortos em abril, a partir de hoje, 13 unidades das Forças Armadas se somarão aos policiais civis no patrulhamento de vários setores da capital. A organização Provea destacou “o potencial risco para os direitos humanos” desta iniciativa, pois nos últimos 15 anos em diferentes episódios 315 civis morreram pela ação de efetivos militares. Envolverde/IPS