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Anfitriões libaneses tão necessitados quanto os refugiados sírios

O libanês Mohammad Sleiman Ikhlif com dois de seus filhos e outro menino (direita) da família síria que hospeda. Foto: Zak Brophy/IPS

 

Wadi Khaled, Líbano, 13/3/2013 – O fluxo de centenas de milhares de refugiados da Síria chegados ao Líbano é um peso quase insuportável para muitas das comunidades que os hospedam em suas próprias casas. A crise econômica interna, agravada pela chegada de uma grande quantidade de refugiados, exerce uma grande pressão sobre muitas áreas empobrecidas, como a região fronteiriça de Wadi Khaled, ao norte. Nos últimos meses, houve um aumento do fluxo de refugiados. A quantidade de pessoas que receberam assistência ou que a solicitaram duplicou em menos de três meses, e agora são mais de 320 mil.

O governo libanês diz que há cerca de um milhão de sírios neste país, incluídos os trabalhadores imigrantes e suas famílias, uma quantidade significativa para uma população de 4,5 milhões de habitantes. Ao contrário de Turquia e Jordânia, o Líbano não tem acampamentos formais. As famílias libanesas abrigam um em cada três refugiados. “Abrimos nossas portas e os convidamos pensando que ficariam por um ou dois meses, e que a transição na Síria seria rápida como em outras revoltas árabes”, disse à IPS o libanês Mohammad Sleiman Ikhlif.

“Já se passaram dois anos e fica difícil para nós”, reconheceu Ikhlif, que construiu três quartos provisórios, nos quais agora vivem cinco famílias sírias. As residências em dificuldades estão na região de Wadi Khaled, na fronteira com a Síria, onde há grande densidade de refugiados. Antes do levante contra o governo de Bashar al-Assad, Wadi Khaled era uma região relativamente pobre, mas autossustentável. Agora, a população local não tem como abrigar milhares de refugiados, já que ali a atividade econômica cessou.

“Nossas comunidades sobreviviam do comércio transfronteiriço e do contrabando”, disse Ali Al-Beddawi, líder comunitário de Rami, um dos povoados de Wadi Khaled, localizado a alguns metros da fronteira nacional. “Tudo está paralisado. A economia se contraiu totalmente. Não há comércio, não há atividade nem emprego”, acrescentou à IPS. Além do peso pelo fluxo de refugiados e do colapso da atividade comercial, a perda das empresas libanesas na Síria exacerbou os problemas nesta região.

Al-Beddawi tinha uma pujante fábrica de cosméticos na cidade síria de Homs, a 23 quilômetros de Wadi Khaled, “mas ficou sem nada”, lamentou. Ele estima que há pelo menos mais 50 empresários locais que perderam seus negócios e investimentos na Síria, o que afetou o sustento de grande parte da comunidade. A maior parte da ajuda, até agora, se destinou aos refugiados, o que criou certo ressentimento, pois estes se integraram às comunidades libanesas que, em muitos casos, são pobres e sofrem de instabilidade.

“Não podemos culpar os sírios por estarem aqui”, disse um jovem do povoado de Rami. “Fogem da opressão, mas a vida está intolerável para nós libaneses e não temos ajuda. Por outro lado, eles têm a Organização das Nações Unidas (ONU), as agências estrangeiras e todo mundo ajudando”, pontuou. Nos últimos meses houve algumas mudanças para apoiar as comunidades libanesas.

Por mais de um ano Ikhlif não recebeu ajuda alguma nem aceitou pagamento pelo aluguel das famílias sírias que hospeda. Mas, há três meses, a Agência Suíça para o Desenvolvimento e a Cooperação (Cosude) o ajuda a enfrentar os gastos. “Me tiram um grande peso dos ombros, o que permite, de certa forma que seja suportável”, reconheceu.

Desde setembro de 2012 a Cosude concedeu o equivalente a US$ 880 mil em libras libanesas a 1.300 famílias locais dentro de seu projeto Apoio por Hospedar. Cada família anfitriã recebe US$ 100 mensais se abriga entre duas e dez pessoas, e US$ 150 quando são mais de 11. Também recebe outros US$ 100 mensais para mitigar as dificuldades econômicas.

“Em termos de rentabilidade, de reduzir os deslocamentos e de garantir que os refugiados tenham acesso a certa normalidade, o fato de se hospedarem na casa de alguém parecer ser a opção mais válida”, disse à IPS a diretora de cooperação da Cosude, Heba Hage-Felder. A Cosude estima que seu projeto permitiu que dez mil famílias se alojassem em casas de seus vizinhos libaneses. A agência pretende chegar a 15 mil entre abril e setembro.

O escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) e outras grandes organizações internacionais lançaram iniciativas semelhantes para ajudar as famílias libanesas que hospedam refugiados sírios. “Todos reconhecemos a importância de construir sobre esta tradição de hospitalidade e torná-la sustentável”, destacou Hage-Felder.

A crise síria é um assunto que causa muitas divisões no Líbano. “O governo libanês não ofereceu nenhuma ajuda e se manteve totalmente à margem desta enorme crise que sofremos na região”, protestou Al-Beddawi. Contudo, como as dificuldades econômicas e sociais atingiram um nível crítico em alguns distritos do Líbano, o governo lançou o Programa de Apoio às Comunidades Libanesas Anfitriãs, com ajuda do Pnud. O representante do Pnud, Robert Watkins, resumiu a situação da seguinte forma: “Mais do que em outro lugar, no Líbano a segurança e a subsistência dos refugiados é inseparável da de seus anfitriões”. Envolverde/IPS