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Anistia atenta à inserção do Brasil no mundo

Atila Roque: "Vamos observar o papel do Brasil no mundo e sua promoção de direitos em escala global". Foto: Cortesia do entrevistado

Rio de Janeiro, Brasil, 29/11/2011 – A violência nas favelas desta cidade e o impacto das grandes obras para os jogos esportivos mundiais de 2014 e 2016 serão o centro da atenção da Anistia Internacional (AI) no Brasil, para verificar se são respeitados os direitos humanos. A cidade do Rio de Janeiro foi escolhida como sede do primeiro escritório no Brasil dessa organização humanitária que tem sua sede em Londres. O diretor da nova representação da Anistia no país, o brasileiro Átila Roque, de 52 anos, falou à IPS sobre a agenda para o Brasil, os principais eixos de atuação da entidade e como será o acompanhamento da situação dos direitos humanos.

IPS: Quais as primeiras ações da Anistia Internacional no Brasil?

ÁTILA ROQUE: Ainda estamos em fase de transição. Acabo de assumir o posto, depois de permanecer dez anos fora do Brasil, e a equipe ainda é reduzida. Nos próximos meses vamos concentrar as ações em duas grandes frentes: estruturar fisicamente o escritório e, nos próximos quatro meses, conversar com agentes sociais da área privada e do governo, parlamentares e meios de comunicação. A chegada de uma missão permanente da AI no Brasil criou uma grande expectativa e agora é o momento de ouvir. São muitas as demandas sociais sobre direitos humanos no país.

IPS: Quais os planos prioritários?

AR: Temos a agenda dos direitos humanos para o Brasil e a formação de uma cultura de defesa destes direitos. Há três grandes eixos de trabalho que vamos seguir. Um é a situação nas prisões, na segurança pública e na justiça. O segundo é a conexão entre o desenvolvimento e os direitos, com a reforma do espaço urbano seguindo a agenda do campeonato mundial de futebol de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016. São acontecimentos que atraem grande atenção internacional e nacional, além de serem reveladores de um olhar para o espaço urbano com uma perspectiva de inclusão social. Por fim, acompanharemos o impacto das grandes obras de infraestrutura sobre as populações rurais e indígenas, como a construção de grandes complexos hidrelétricos.

IPS: Como vê a atuação das autoridades diante dos grupos formados por agentes do Estado que atuam à margem da lei em favelas do Rio de Janeiro?

AR: As chamadas milícias são o assunto de segurança pública que mais desafia o Estado e a sociedade. Vamos acompanhar com atenção o problema, pois é um assunto urgente e um tema central da democracia. Estes grupos criminosos mataram uma juíza e ameaçaram o deputado Marcelo Freixo. Estamos preocupados. Vamos cobrar do Estado a garantia de sua proteção e a de todas as pessoas em situação semelhante. A situação dos ativistas pelos direitos humanos é muito vulnerável no Brasil. Há um sentimento de impunidade e uma grande insensibilidade por parte da sociedade, que aceita esta situação como sendo normal.

IPS: Com vê a implantação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP), que tentam eliminar o narcotráfico das favelas cariocas e levar segurança permanente a esses locais?

AR: A UPP é uma iniciativa inovadora, pois muda o foco da repressão para o da prevenção e atenção cidadã. Merece nossa atenção e nosso respeito, mas é uma ação de emergência e não representa uma reforma ampla da segurança pública, que é uma área crítica. A questão da reforma da polícia é mais ampla e necessita da cooperação de diferentes órgãos estatais. A segurança deve ser vista como um direito, bem como o controle externo das polícias.

IPS: No plano internacional, a AI fará um acompanhamento das ações externas do Brasil?

AR: Vamos verificar o papel do Brasil no mundo e sua promoção de direitos em escala global. A política externa de cooperação do país deve ser orientada no contexto de respeito aos direitos humanos. Daremos atenção ao posicionamento do país em diversos assuntos internacionais, como nos casos do Irã e da Síria, por exemplo. Também merecerá nossa atenção especial as contribuições financeiras com dinheiro público a empresas brasileiras, via Banco de Desenvolvimento Econômico e Social, para atuar em países como os da África. O Brasil tem de adequar suas posições externas aos tratados internacionais que assinou em matéria de respeito aos direitos humanos. É de interesse da AI a posição que o Brasil adotar em órgãos internacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU), o Grupo dos 20 países industrializados e emergentes, e o bloco Bric (Brasil, Índia, China e África do Sul). Nesta estratégia de desenvolvimento no exterior, estamos em contato permanente com o Ministério das Relações Exteriores e sentimos que há interesse das autoridades em manter o diálogo. Contudo, ainda há pouca informação atualizada sobre a cooperação econômica externa do país, especialmente na África, que ainda é muito fragmentada. Envolverde/IPS