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Antibióticos na agroindústria geram bactérias resistentes

Berlim, Alemanha, 15/3/2012 – A morte de cinco bebês prematuros na cidade alemã de Bremen, infectados por uma bactéria de ave contraída em um hospital, aumenta o temor de ambientalistas e especialistas em saúde de que o uso generalizado de antibióticos no setor agropecuário gere germens extremamente resistentes. Os bebês prematuros, que morreram em dezembro e começo deste ano em Bremen, a 300 quilômetros de Berlim, foram infectados com uma bactéria altamente resistente por produzir a enzima betalactamasa de espectro estendido (BLEE).

Foram detectadas infecções semelhantes em outros hospitais da Alemanha, embora sem registro de mortes. Estes incidentes lançaram novamente sobre a mesa o problema da falta de higiene no setor agropecuário, especialmente nas avícolas, onde há milhares de animais confinados em espaços reduzidos. Acredita-se que a bactéria chegou aos hospitais levada de forma involuntária por pacientes que estiveram em contato com aves contaminadas.

O pai de um bebê prematuro nascido na clínica de Bremen contou a difícil situação vivida pela família. “Três dias após o nascimento, os médicos nos disseram que nosso filho tinha uma infecção, que estava muito doente e poderia morrer”, contou Maik Stefens à IPS. “Os médicos disseram que a bactéria das aves era a causa mais provável da infecção. O abuso de antibióticos nos criadouros foi a verdadeira origem do problema”, protestou o pai. Seu filho, Niclas, sobreviveu, mas outros cinco recém-nascidos prematuros com infecções semelhantes não tiveram a mesma sorte.

A morte de três bebês prematuros em dezembro forçou as autoridades sanitárias a lançarem uma exaustiva investigação sobre as condições de higiene da clínica, após a qual ordenaram sua completa renovação. Além disso, o pessoal recebeu um curso intensivo de higiene. A clínica foi reaberta em fevereiro, mas fechada definitivamente no começo deste mês após a morte de dois recém-nascidos infectados pela mesma bactéria altamente resistente.

Exames clínicos confirmam que a estrutura genética da BLEE, identificada em aves comercializadas na Europa, é idêntica à detectada em humanos infectados. Nas granjas industriais da Alemanha, as criações recebem antibióticos de forma indiscriminada, e sem importar sua situação sanitária. Segundo o Instituto Robert Koch (IRK), responsável pelo controle e pela prevenção de doenças da Alemanha, 90% dos frangos vendidos neste país contêm a enzima letal. A BLEE é resistente à maioria dos antibióticos, e foi detectada pela primeira vez em 1983 na Alemanha, precisamente pela indústria avícola.

Um estudo feito pelo governo do Estado da Renânia Norte-Westfalia confirmou que 96% dos frangos do Estado haviam recebido antibióticos. O tratamento mata a maioria dos germes, mas favorece a emergência de outros resistentes aos medicamentos. “Meu maior temor é que por abusar dos antibióticos acabemos, na verdade, cultivando bactérias altamente perigosas”, disse à IPS o diretor de diagnóstico molecular do IRK, Wolfgang Witte.

Os avicultores confirmaram que logo que  detectam sinais de infecção em um animal já administram antibióticos a todos. “Do contrário corro o risco de perder todos os animais. Não posso correr o risco, porque afundarei”, disse à IPS um produtor que pediu para não ser identificado. Os antibióticos são administrados na água potável. Este sistema fez com que fosse encontrada uma alta concentração de químicos e germes nos rios, devido ao tratamento da água residual e de esgoto. Também foram encontrados bactérias e antibióticos nos campos vizinhos às granjas industriais.

Reinhild Benning, da organização ambientalista Bund, contou à IPS que muitas amostras colhidas em fevereiro no entorno de uma avícola no contexto de uma experiência continham BLEE. “Todos temem as infecções. Sentimos o mau cheiro da granja e respiramos suas emissões todos os dias”, disse Friedrich Ehlers, vizinho de uma avícola.

Contudo, o problema não é só a presença de antibióticos e germes na atmosfera. Quando as pessoas cozinham a carne contaminada, os germes morrem. Porém, é provável que eles tenham passado para outros alimentos, como as verduras, que se são comidas cruas ou apenas cozidas, provocam infecção.

Além disso, os restos de aves e gado bovino são reciclados como fertilizantes para a agricultura. Este sistema propaga germes e antibióticos, que acabam na cadeia alimentar humana, inclusive para as pessoas que evitam os produtos industriais e só consomem alimentos orgânicos. “É tamanho o escândalo que já não podemos confiar em nossos próprios alimentos”, disse à IPS a mãe do bebê infectado em Bremen, Beate Stefens.

Não é o primeiro escândalo deste tipo na Alemanha. No último verão boreal, 53 pessoas morreram e outras quatro mil ficaram doentes por comerem verduras contaminadas com uma cepa de Escherichia coli. Esta é uma bactéria encontrada no intestino dos animais e, portanto, em águas servidas, e é capaz de criar uma toxina que causa enfermidades graves. Envolverde/IPS