Málaga, Espanha, 24/9/2013 – Adote uma criança pobre de um país pobre. Adote uma árvore. Adote um urso polar… A ideia cativou de algum modo o enfraquecido sistema acadêmico espanhol e alguém teve a ideia: Apadrinhe um estudante universitário. O programa Mecenato para a Formação Universitária será apresentado em outubro pela estatal Universidade de Málaga, no sul da Espanha.
A iniciativa convida pessoas e empresas a colocarem dinheiro em um fundo para pagar a matrícula de estudantes que estão começando seus estudos nessa instituição, que não tenham renda e não consigam a nota mínima de 5,5 para ter direito à bolsa, disse à IPS uma fonte universitária. Os mecenas terão redução de impostos, acesso a serviços universitários e reconhecimento público como doadores.
Trata-se de “apadrinhar um estudante, como se faz com uma criança pobre”, explicou à imprensa a reitora da Universidade, Adelaida de la Calle, presidente da Conferência de Reitores de Universidades Espanholas. A matrícula nas universidades públicas espanholas custa entre 680 e 1.280 euros (de US$ 921 a US$ 1.734) por curso.
Como as condições para obter bolsa endureceram e os valores foram reduzidos, “tememos” que haja menos ingressos e mais abandonos desde o segundo ano, disse à IPS o porta-voz da Coordenadoria de Representantes de Estudantes das Universidades Públicas (Creup), Aratz Castro, aluno de sociologia da Universidade do País Basco, no norte da Espanha.
Segundo o real decreto-lei aprovado em 2 de agosto deste ano, a qualificação mínima na prova de acesso à universidade para conseguir uma bolsa que exima o estudante de matrícula no primeiro ano é de 5,5 pontos em um total de dez, mas aumenta um ponto para outras ajudas monetárias indiretas, como transporte ou moradia, vitais para estudantes pobres.
O “apadrinhamento” de estudantes ou “qualquer outra iniciativa que complemente de forma pontual o sistema de bolsas é positiva”, ressaltou Castro. Contudo, as instituições estatais é que devem assumir essa missão, opinou. Para o presidente da Federação de Associações de Estudantes Progressistas, Fidel González, a ideia surgida em Málaga é “um grito de socorro” diante do perigo de “centenas de estudantes ficarem fora e outros não poderem continuar seus cursos”.
Entretanto, “esta não é uma questão de caridade, nem de solidariedade, mas de justiça social e igualdade”, e é o Ministério da Educação que deve “apadrinhar os estudantes em lugar de atacar o coração do sistema de ensino, aumentando as taxas e cortando bolsas”, afirmou González à IPS. No período 2012-2013, a dotação do governo para bolsas caiu 8,3%, indica o informe anual Dados do Curso Escolar, divulgado no dia 16 pelo Ministério da Educação.
A quantidade de bolsistas diminuiu em 24.520 alunos (3,1% menos do que no período anterior) e caiu em 59,3% a proporção dos que receberam ajuda, sobretudo para compra de material escolar: 578.549 estudantes ficaram sem essa assistência. O Estado fez cortes generalizados na educação pública. No ano passado, institutos da região autônoma de Valência não tinham dinheiro para pagar a calefação no inverno.
“Estudei graças a uma bolsa nos dois últimos anos. Do contrário, teria sido impossível”, contou à IPS a argentina Florencia Zucas, estudante do quarto ano de relações trabalhistas e recursos humanos na Faculdade de Estudos Sociais e do Trabalho de Málaga. A instituição fica a 12 quilômetros da casa que divide com seus tios. Zucas vive na Espanha há 13 de seus 25 anos. Tinha emprego de meio período para pagar os estudos, mas o salário não compensava e não tinha tempo para estudar e não deixar matéria pendente, requisito indispensável para renovar a bolsa.
“O Estado deveria pagar”, disse à IPS a jovem Cristina Enamorado, de 20 anos, antes de entrar para uma das provas de acesso à universidade no campus de Málaga. Ela quer estudar educação infantil. Por falta de perspectivas, vários de seus amigos emigraram para a Grã-Bretanha e a Alemanha mesmo antes de concluírem os estudos. O desemprego afeta 26,6% da população economicamente ativa, segundo dados do Instituto Nacional de Estatísticas (INE).
Entre os que não têm emprego, ou sofreram cortes no salário, há muitos chefes de família que não podem ajudar os filhos a pagarem os estudos universitários. “Os salários dos meus pais caíram muito”, contou Martha Caparrós, de 19 anos. “Já que o Estado não ajuda, tudo bem” particulares ou empresas ajudarem, afirmou. Sentada na escadaria de entrada da Faculdade de Direito após fazer as provas de ingresso, ela disse à IPS ter pedido uma bolsa para estudar educação social. Seu irmão também iniciará este ano seus estudos superiores e “é complicado” para sua família bancar os custos, admitiu.
“Minha mãe economizou durante um ano para o caso de não me concederem a bolsa”, disse à IPS Raquel Ávila, de 20 anos, que começará o quarto ano na Faculdade de Estudos Sociais e Relações Trabalhistas. Até agora, sempre conseguiu uma bolsa geral por curso no valor de 1.200 euros (US$ 1.626). Os estudantes começarão as aulas em outubro sem saberem se a bolsa solicitada foi concedida. Isso acontecerá apenas em dezembro. Ávila recordou que no ano passado alunos e professores fizeram uma coleta para pagar a matrícula de uma aluna. “Tudo bem o apadrinhamento, porque pelo menos ajuda a começar na universidade”, afirmou.
No entanto, com um desemprego entre a juventude de 56,14%, os jovens espanhóis precisam de mecenas inclusive depois de formados, para conseguir trabalho. Para isso a Fundação Príncipe de Girona, na região da Catalunha, tem o programa Apadrinhando Talento, que ajuda jovens com diploma superior a entrar no mercado de trabalho. Envolverde/IPS