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Aplausos e vaias para a reforma florestal do Brasil

Caminho aberto na selva amazônica, no Acre, para transportar árvores derrubadas. Foto: Mario Osava/IPS

Rio de Janeiro, Brasil, 9/12/2011 – O Senado aprovou o novo Código Florestal em meio a críticas de ecologistas e elogios de setores ligados à grande agricultura. O projeto deve voltar à Câmara e depois seguir para sanção da presidente Dilma Rousseff. Para os ambientalistas, o texto constitui um estímulo ao desmatamento da Amazônia, enquanto o poderoso setor agropecuário vê nele um avanço para garantir a segurança alimentar dos 192 milhões de brasileiros.

A reforma, aprovada no dia 6 por 59 votos contra sete, regulamenta a preservação das florestas em relação às atividades econômicas que utilizam o solo e os recursos naturais. Assim, modifica-se o Código Florestal vigente desde 1965, convertendo-o não em uma “lei ambiental, mas em mais uma lei de uso agropecuário do solo”, lamentou a organização Greenpeace em um comunicado. O texto aprovado “tem três problemas: estimula o desmatamento, anistia crimes do passado e reduz a proteção das selvas ainda em pé”, resumiu para a IPS o coordenador da campanha pela Amazônia do Greenpeace Brasil, Márcio Astrini.

O ponto mais polêmico é o que anistia os proprietários que tenham desmatado as áreas de preservação permanente (APP) até 2008, embora para evitar as multas o responsável terá que recuperar parte do que foi cortado e registrar sua propriedade para futuras fiscalizações. No Brasil há cerca de cinco milhões de propriedades rurais.

Pelo atual Código Florestal, as APP são aquelas que, “cobertas ou não por vegetação nativa, têm a função de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo genético de fauna e flora, proteger o solo e garantir o bem-estar das populações humanas”. Por exemplo, as margens e nascentes de rios e os picos e ladeiras de montanhas.

Segundo o Fundo Mundial para a Natureza (WWF), a superfície das APP sujeitas a indulto soma 79 milhões de hectares, equivalentes aos territórios combinados de Alemanha, Áustria e Itália. “Será uma tragédia para o Brasil e o mundo se agora o país der as costas para mais de uma década de conquista e voltar ao tempo das trevas do desmatamento catastrófico”, alertou o WWF em um comunicado.

O novo texto mantém porcentagens de proteção da reserva legal, uma zona “situada dentro de uma propriedade ou posse rural, com exceção da APP, necessária para o uso sustentável dos recursos naturais”, segundo o Código em vigor. Na Amazônia Legal (delimitação política que inclui os Estados parcial ou totalmente cobertos por esse bioma), a proporção de reserva legal nas áreas agrárias em zonas de mata é de 80%. Se a propriedade estiver em zonas de savana tropical da Amazônia Legal, a reserva é de 35%, caindo para 20% no restante do país.

O projeto aprovado pelos senadores exime de reflorestamento todas as áreas entre 20 e 400 hectares, segundo a região. Se a propriedade estiver em Estados amazônicos com mais de 65% de seu território ocupado por terras indígenas ou por unidades de conservação – parques naturais, áreas protegidas, etc. –, a superfície que o produtor deve preservar cai de 80% para 50%.

“A legislação ambiental do Brasil era considerada uma das mais avançadas. Esta alteração no Código Florestal destroi totalmente esta noção”, disse à IPS a advogada ambientalista Rachel Biderman, consultora sênior no Brasil do World Resources Institute. “Este momento em que o Brasil vive um grande crescimento econômico é acompanhado pela banalização e enfraquecimento da legislação ambiental”, acrescentou.

O governo, que tentou melhorar alguns pontos aprovados antes na Câmara Federal, considera que o projeto não é o ideal mas é “o melhor possível”. O senador Jorge Viana, do PT, relator do projeto, estima que se cumpre a missão de dar tranquilidade aos brasileiros que precisam tanto de alimento como de preservação ambiental. “Não conheço outra atividade como a agrícola que precise mais do meio ambiente para criar e produzir. Assim, não tem sentido este enfrentamento entre ruralistas e ambientalistas”, afirmou.

As autoridades acreditam que com controles mais rígidos, já em andamento, se conseguirá restaurar 24 milhões de hectares desmatados em reservas legais ou APPs. Adriana Ramos, secretária-executiva-adjunta do Instituto Socioambiental, afirma que a lei “permite atividades agropecuárias em áreas críticas que necessitariam ser recuperadas”. Trata-se de um “mau projeto que reforça a cultura da impunidade”, disse à IPS.

O Brasil é um dos principais produtores de alimentos e o primeiro exportador mundial de carne bovina, café e suco de laranja. Também é grande produtor de soja e milho. Para os representantes do agronegócio, como a senadora Katia Abreu, do PSD, empresária pecuarista e presidente da Confederação Nacional de Agricultura e Pecuária, “coloca-se fim a anos de ditadura ambiental”.

No dia 5, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) revelou que o desmatamento amazônico continua diminuindo. O registrado entre agosto de 2010 e julho de 2011 foi de 6.238 quilômetros quadrados, 11% menos do que no período 2009-2010. É, também, o menor registrado desde que o Inpe começou estes controles via satélite, em 1988. Na época, o desmatamento era de 29 mil quilômetros quadrados por ano. Por isso, Katia Abreu insistiu que é possível compatibilizar a produção de alimentos com a preservação da selva.

Porém, isto não convence os ambientalistas. “O Brasil perde a oportunidade de construir um código de desenvolvimento sustentado, baseado em práticas modernas como o pagamento por serviços ambientais e a promoção de sistemas agroflorestais sustentáveis, com apoio e desenvolvimento de comunidades locais”, disse Biderman.

Astrini, por sua vez, afirmou que o país pode descumprir tratados ambientais internacionais e minar os esforços para frear a mudança climática. As organizações que integram o Comitê da Floresta se mobilizarão para exigir o veto da presidente Dilma. “Cobraremos dela o compromisso que fez por escrito de que não aceitaria um texto que tivesse anistia e promovesse mais desmatamento”, recordou.

O Brasil adotou a meta de reduzir suas emissões de gases-estufa entre 36% e 39% até 2020, dependendo do crescimento do produto interno bruto, e para isso precisa reduzir em 80% o desmatamento amazônico com relação ao período 1996-2005. O Brasil é o sexto maior emissor de gases contaminantes no mundo. E a principal fonte é a perda de sua selva tropical, causada em grande parte pela expansão agropecuária. Envolverde/IPS