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Após a inundação, florescem casas verdes

Karachi, Paquistão, 2/8/2011 – A nova casa de Subhan Khatun não se parece em nada com a que foi arrasada pelas inundações de 2010, que atingiram um quinto do Paquistão e deixaram dois mil mortos. Antes da catástrofe, Khatun, de 45 anos, nem mesmo sonhava em ter um lar bem ventilado, com bom banheiro e cozinha limpa. Ele teve sorte de a administração do distrito de Khairpur identificar sua aldeia, Darya Khan Sheikh, nas margens do Indus, na província de Sindh, com uma das mais afetadas. Graças a um programa especial, sua casa foi reconstruída.

Depois de acertada a parte burocrática, arquitetos e engenheiros da organização voluntária Heritage Foundation começaram a projetar o novo lar usando materiais disponíveis no lugar, de acordo com a iniciativa “Green Karavan Ghar”, que realizou projetos semelhantes de reabilitação no distrito de Swat, na província de Khyber Pakhtunkhwa. A visão que norteia a Heritage Foundation é usar materiais locais e mão de obra de estudantes das escolas de arquitetura e engenharia.

Criada em 1984 por Yasmeen Lari, a primeira mulher arquiteta do Paquistão, a Fundação basicamente documenta os edifícios históricos do país e trabalha para sua conservação. E também assumiu um papel destacado nos esforços de reconstrução depois das inundações. “Estes jovens profissionais devem aprender a respeitar as formas tradicionais de construção e se capacitarem do ponto de vista técnico e humano no respeito à natureza”, explicou Lari à IPS.

Ela já entregou mais de 104 casas em duas aldeias de Sindh, todas construídas com bambu, cal (em lugar de cimento) e barro. Estas casas podem ser fabricadas rapidamente, são mais baratas (US$ 647) e apresentam baixa pegada de carbono. “Mostramos a todos na indústria da habitação que era possível levantar uma casa sem madeira, cimento ou aço”, disse Lari, acrescentando que a produção desses materiais consome muita energia.

Khatun, que ainda recorda inquieto como foi resgatado em um barco junto com outras 500 pessoas, teme que sua nova casa termine da mesma forma que a primeira. E seus medos não são infundados. Especialistas em mudanças climáticas preveem aumento na frequência das inundações, já que pequenas variações nas temperaturas podem ter um grande impacto no meio ambiente e na segurança alimentar da região, como foi confirmado pelas inundações de 2010.

Contudo, Naeem Shah, chefe do projeto da Heritage Foundation, garantiu a Khatun que sua nova casa vai dura no mínimo 20 anos. “Mesmo se a água inundar a área, as paredes da casa permanecerão intactas. Somente o gesso sairá, mas sempre se pode aplicar uma camada nova”, afirmou Shah, que ganhou experiência trabalhando na fabricação de casas sólidas e ecológicas depois do terremoto de 2005 no norte do Paquistão.

“As casas que construímos em Swat, usando os mesmos materiais, suportaram três pés de neve e intensas chuvas, por isso há muitas possibilidades de poderem resistir ao clima em Sindh”, afirmou Shah. O bambu, material básico para as casas, “cresce rapidamente, é muito forte e ambientalmente sustentável”, destacou. Pedra local é usada para as fundações e no lugar do cimento se usa diferentes mistura de barro e cal.

“Foi uma surpresa positiva a capacidade isolante do barro e da cal”, destacou Lari, acrescentando que, ao usar material local, “os habitantes desenvolvem um nível imediato de comodidade e sabem como usá-lo depois”. O melhor de tudo são a facilidade e a rapidez com que se constrói as novas casas. “Demora oito dias para uma casa ser completada por uma equipe de quatro especialistas e quatro peões”, afirmou.

Isto é rapidez, considerando que durante seis meses após as inundações as 56 famílias de Darya Shah Khan tiveram de viver em acampamentos e depender de doações. Muitos na aldeia afirmam que a inundação acabou ajudando, pois agora empregam materiais locais e sua própria mão de obra para refazer a economia. Uma aldeia próxima se converteu na principal fornecedora de teto de junco pré-fabricado para a região. Em outra são elaboradas cortinas de banheiro com materiais extraídos de palmeiras. “Tudo isto não teria sido possível se tivéssemos usado blocos de concreto e chapas de ferro para fazer paredes e tetos”, afirmou Shah.

Além de fornecer casas ecológicas e sólidas, a Heritage Foundation também promove uma mudança gradual no estilo de vida dos aldeões, tornando-o mais higiênico. Isto foi possível graças à colaboração de estudantes de arquitetura que treinaram os moradores dessas localidades. “À tarde, os estudantes escolhiam temas com os quais os aldeões poderiam se identificar e, por meio de discussões, trabalhavam para conscientizar sobre coisas simples como lavar as mãos”, explicou Shah.

“Já não terão que ter cuidados com seus pés por medo de pisar no esterco animal quando se dirigir à aldeia”, disse Shah. Os aldeões já decidiram colocar o gado em uma área comum, em lugar de mantê-lo junto às casas. Antes, “a região não só estava suja com esterco como também havia peixe podre por todo lado. Assim, ensinamos os mais simples e antigos métodos de preservação conhecidos: salgar e secar ao Sol”, acrescentou.

Entretanto, se for perguntado às mulheres da aldeia qual a melhor mudança, todas responderão que é a criação do centro feminino. “Nunca tivemos um lugar nosso, e nunca nos reuníamos como fazemos agora. Aqui ouvimos umas as outras e tentamos encontrar soluções”, disse Shahun Bibi de 30 anos. Envolverde/IPS