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Após críticas, ONU dá um passo para a paridade de gênero

Alguns dos 43 militares e policiais de 27 países que receberam medalhas das mãos de Jean-Marie Guéhenno, secretário-geral adjunto de Operações de Manutenção da Paz da ONU. Foto: Eskinder Debebe/ONU
Alguns dos 43 militares e policiais de 27 países que receberam medalhas das mãos de Jean-Marie Guéhenno, secretário-geral adjunto de Operações de Manutenção da Paz da ONU. Foto: Eskinder Debebe/ONU

 

Nações Unidas, 5/12/2014 – Quando o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Ban Ki-moon, nomeou uma comissão internacional em outubro para revisar as operações de manutenção da paz do fórum mundial, a notícia foi recebida com duras críticas porque apenas três de seus 14 membros eram mulheres.

Como se não bastasse, o anúncio foi feito no dia 31 de outubro, no 14º aniversário da histórica resolução 1325 do Conselho de Segurança, que destaca a importância da participação igualitária da mulher e de sua plena participação na manutenção e na promoção da paz e da segurança.

“A data do anúncio é uma bofetada na cara das mulheres que trabalham pela paz em todo o mundo”, se queixaram Stephen Lewis, ex-subdiretor-executivo do Unicef, e Paula Donovan, ambos codiretores da organização sem fins lucrativos Aids-Free World (Mundo sem Aids).

“De um só golpe o senhor conseguiu converter a resolução 1325 em uma piada”, se queixaram Lewis e Donovan em carta dirigida a Ban. “De um só golpe o senhor repudiou a importância da igualdade de gênero na nomeação de comissões de alto nível”, acrescentaram.

“O senhor declarou ao mundo sua opinião de que não se encontra mulheres em nenhum lugar, nem na política, nas universidades, na diplomacia, na sociedade civil ou entre ganhadores de prêmios Nobel que sejam suficientemente qualificadas para atender as exigências de uma comissão sobre as operações de paz”, acrescenta a carta. A resposta foi quase instantânea e, principalmente, positiva.

Primeiro, a nomeação em novembro dos dez integrantes de uma comissão de alto nível sobre um banco de tecnologia para os países de menor desenvolvimento refletiu uma paridade de gênero, com cinco homens e cinco mulheres. Segundo, no dia 1º, Ban aumentou de três para seis o número de mulheres na comissão da ONU sobre manutenção da paz, aparentemente em resposta às críticas.

Além disso, Ameerah Haq, de Bangladesh, atual subsecretária-geral do Departamento de Apoio no Terreno e uma integrante original da comissão, será sua vice-presidente após se aposentar em 1º de fevereiro. Um comunicado divulgado no dia 1º informa que Ban “acredita que a incorporação de três mulheres eminentes e o papel que a senhora Haq desempenhará como vice-presidente não trará apenas o equilíbrio de gênero à comissão, mas também enriquecerá seu trabalho, sobretudo em temas relacionados com as mulheres, a paz e a segurança”.

“É uma boa notícia, ao menos com um passo à frente para nosso objetivo de igualdade” total, declarou à IPS o embaixador de Bangladesh, Anwarul Karim Chowdhury, considerado o autor da resolução 1325. “Suponho que esse é um caso em que simplesmente temos que pedir uma desculpa muito sincera”, afirmou, por outro lado, o porta-voz adjunto da ONU, Farhan Haq, quando soergueram as primeiras críticas.

“Pessoalmente, creio que uma mulher deveria ter sido designada copresidente e não vice-presidente da Comissão de Paz”, acrescentou Chowdhury. Um objetivo fundamental da resolução 1325 é conseguir a participação igualitária das mulheres em todos os níveis de tomada de decisões, ressaltou.

Donovan, por sua vez, disse à IPS que a reação do secretário-geral da ONU aproximou-se do cumprimento com suas palavras. “Mas sua afirmação de que uma relação de 11 para seis entre homens e mulheres trará equilíbrio de gênero são as palavras de um líder obstinado ou incompreensivo”, acrescentou.

Ban poderia ter conseguido a paridade de gênero com uma canetada, mas optou por manter as mulheres na minoria dos 35%, destacou Donovan. “Suas ações geram alguma esperança, uma grande preocupação e uma clara advertência sobre a necessidade de uma vigilância constante e uma pressão implacável de parte dos defensores da igualdade de direitos das mulheres”, acrescentou Donovan.

Barbara Crossette, ex-correspondente do jornal The New York Times na ONU, ressaltou à IPS que a insistência da Aids-Free World sobre o desequilíbrio original do Painel sobre a Paz teve resultados em pouquíssimo tempo, segundo o ritmo das Nações Unidas. Para Crossette, Ban ter escolhido para vice-presidente Ameerah Haq, uma das funcionárias mais qualificadas e eficazes da ONU, com uma carreira de quase quatro décadas, ajudará muito a remediar a situação.

Uma das novas integrantes do painel, Radhika Coomaraswamy, do Sri Lanka, foi a principal funcionária da ONU sobre a violência contra as mulheres e os perigos que enfrentam as crianças nos conflitos armados, além de diretora do Centro Internacional de Estudos Étnicos do Sri Lanka. Ela se manteve no cargo durante um período intenso da guerra civil (1983-2009) em seu país, que custou a vida de seu antecessor, Neelan Tiruchelvam, considerado o advogado de direitos humanos mais importante do Sri Lanka.

“Nossa esperança sincera é que essas nomeações não se convertam em dois esforços isolados para agradar quem quer que seja”, pontuou Mavic Cabrera-Balleza, coordenadora internacional da Rede Mundial de Mulheres Construtoras de Paz. “Queremos uma representação igualitária não só dessa vez, mas em todas as estruturas de tomada de decisões da ONU”, acrescentou.

As pessoas designadas devem consultar a sociedade civil e deve haver um mecanismo de consultas habituais, como parte dos termos de referência de todos os painéis, comissões e principais cargos da ONU, acrescentou Cabrera-Balleza. Também pediu um mecanismo de investigação para a escolha dos membros dos comitês e cargos estratégicos, com representação da sociedade civil.

“O problema com muitas das nomeações de alto nível na ONU é que se baseiam na influência política dos Estados membros, vão para os Estados influentes e por isso temos pessoas pouco qualificadas em alguns postos”, explicou Cabrera-Balleza.

“Uma comissão de 11 homens e seis mulheres, com um homem presidindo e uma mulher como vice, não traz o equilíbrio de gênero em nenhum sentido”, denunciou a Aids-Free World, em um comunicado divulgado no dia 2. A sociedade civil vigiará de perto a comissão sobre as operações de paz, e exigirá transparência em todos os aspectos de seu trabalho, acrescentou a organização, ressaltando que “o secretário-geral deve fazer melhor. As mulheres do mundo vão considerá-lo responsável”. Envolverde/IPS