Agência Internacional de Energia revela que se a estrutura energética mundial não for mudada rapidamente, emissões de CO2 ultrapassarão o limite de aumento de temperatura de 2ºC e planeta sofrerá grandes impactos climáticos.
Enchentes e secas mais frequentes e severas, tempestades mais rigorosas, aumento do nível do mar: esses são apenas alguns dos sintomas que a Terra enfrentará com as mudanças climáticas. E se não quisermos que nosso planeta fique irremediavelmente doente, já há até um prazo final para combatermos esses sinais: temos cinco anos para mudarmos a estrutura energética global, ou essa enfermidade contagiará também a nós, seres humanos.
De acordo com o relatório da Agência Internacional de Energia (AIE), publicado nesta quarta-feira (9), se quisermos evitar que a temperatura da Terra não ultrapasse os dois graus Celsius de aumento de temperatura que os cientistas estipularam como sendo o limite para evitar consequências climáticas graves, teremos que reduzir rapidamente nossas emissões de gases do efeito estufa (GEEs).
E não nos resta muito tempo para mitigar a liberação de dióxido de carbono na atmosfera: temos até 2017 para tomar iniciativas neste sentido, pois a partir dessa data a situação poderá se tornar irreversível. Segundo o documento, a solução é mudarmos nossa estrutura mundial de produção de energia, já que este setor é o principal responsável pelas grandes emissões antropogênicas de carbono.
“A porta está fechando. Se não mudarmos de direção agora a respeito de como usamos energia, acabaremos além do que os cientistas nos dizem que é o mínimo [para a segurança]. A porta será fechada para sempre”, alertou Fatih Birol, economista-chefe da AIE.
O estudo mostra que não falta muito para chegarmos neste limite, já que das 450 partes por milhão (ppm) de GEEs que são o limite para manter o aumento da temperatura em dois graus Celsius, já emitimos 390, ou cerca de 80%. Isso significa que temos uma margem muito pequena de carbono que ainda podemos emitir antes de chegar ao limite.
E estimativas mostram que a situação deve piorar. Até 2015, atingiremos 90% das ppm de CO2 que podemos emitir, e em 2017, chegaremos a 100%, o que significa que não poderemos mais liberar carbono na atmosfera sem ultrapassarmos o limite de dois graus Celsius de aumento na temperatura mundial. “O afastamento da energia nuclear agravou a situação”, comentou Birol a respeito do desligamento de usinas nucleares após o acidente em Fukushima, em março.
“Se novas ações rigorosas não acontecerem até 2017, a infraestrutura relacionada à energia que estará em vigor gerará todas as emissões de CO2 permitidas (…) até 2035, não deixando espaço para mais usinas de energia, fábricas e outras infraestruturas a menos que elas sejam carbono-zero, o que seria extremamente custoso”, explicou a pesquisa.
Por isso, a agência enfatiza que é necessário tomar medidas rápidas para refrear o aumento da liberação de GEEs na atmosfera. Uma delas – talvez a principal – pode ser a extensão do Protocolo de Quioto ou a criação de um novo compromisso para a mitigação das emissões.
“Acho que é muito importante ter um senso de urgência – nossa análise mostra [o que acontece] se não se mudar os padrões de investimento, o que só pode acontecer como resultado de um acordo internacional. Se não tivermos um acordo internacional, cujo efeito deve ser posto em prática em 2017, então a porta [para manter as temperaturas em dois graus Celsius de aquecimento] será fechada para sempre”, ressaltou Birol.
Mas o relatório e a atual situação das negociações indicam que não há muito otimismo em relação a um novo tratado climático, sobretudo a ser firmado este ano na Conferência das Partes de Durban (COP 17), que deve ocorrer entre o final de novembro e o início de dezembro na África do Sul.
“Há poucos sinais de que a mudança urgentemente necessária na direção das tendências da energia global está em curso. Embora a recuperação na economia mundial desde 2009 tenha sido incomum, e as perspectivas econômicas futuras permaneçam incertas, a demanda global de energia primária se recuperou em um notável 5% em 2010, levando as emissões de CO2 a uma nova alta”, apontou a AIE.
“Subsídios que encorajam o consumo perdulário de combustíveis fósseis subiram para mais de US$ 400 bilhões”, acrescentou a agência. E além das ameaças naturais, os efeitos das mudanças climáticas também poderão ser prejudiciais para a economia, já que custarão mais do que as ações preventivas que podem ser tomadas agora.
“Como cada ano passa sem sinais claros para levar investimentos para a energia limpa, a ‘adesão’ a uma infraestrutura de alto carbono está tornando mais difícil e mais caro atingir nossas metas de segurança energética e climática”, declarou o economista-chefe.
“Adiar ações é uma falsa economia: para cada US$ 1 de investimento evitado no setor de energia antes de 2020, seria necessário gastar um adicional de US$ 4,3 após 2020 para compensar o aumento das emissões”, confirmou o documento.
Este adiamento vem ocorrendo em parte porque os países não conseguem chegar a um consenso em relação a quais nações devem ser incluídas nos planos para a diminuição das emissões. De um lado, os países emergentes dizem que os desenvolvidos devem renovar o Protocolo de Quioto, pois são mais responsáveis pelas emissões históricas; de outro, os desenvolvidos alegam que os emergentes já contribuem grandemente nas emissões mundiais.
Assim, por causa desta disputa, as nações emergentes querem a extensão do Protocolo em seus termos atuais, enquanto as desenvolvidas como os EUA – que nunca assinaram o Protocolo de Quioto –, o Japão, a Canadá e a Rússia sustentam que não participarão do segundo período de compromisso do Protocolo.
“Precisamos que a China, os EUA especialmente, e o resto dos países do BASIC [Brasil, África do Sul, Índia e China] concordem [em assinar um novo acordo]. Se conseguirmos fazer isso até 2015 poderemos ter um acordo pronto para entrar em vigor até 2020”, argumentou Greg Baker, ministro de mudanças climáticas do Reino Unido.
“As decisões que estão sendo feitas pelos políticos hoje arriscam passar um débito de carbono monumental para a próxima geração, pelo qual ela terá que pagar um preço alto. O que realmente falta é um plano global e influência política para decretá-lo. Os governos têm uma chance de começar a mudar isso quando eles se encontrarem em Durban no final deste mês para a próxima rodada de negociações climáticas”, disse Charlie Kronick, do Greenpeace.
E toda essa discussão ainda enfrenta outro grande desafio: em um mundo com uma crescente quantidade de emissões e mais de um bilhão de pessoas sem acesso à eletricidade, como procurar fornecer energia a essa grande parcela da população mundial sem aumentar ainda mais a liberação de carbono na atmosfera?
Pelo menos neste aspecto, o estudo se mostra positivo: as energias renováveis devem ajudar a concretizar essa ideia, ainda que custe caro. “O acesso universal até 2030 aumentaria a demanda global por combustíveis fósseis e emissões de CO2 relacionadas em menos de 1%, uma quantia banal em relação à contribuição feita ao desenvolvimento e bem-estar humano”, justifica a pesquisa.
Por fim, é fácil perceber que, com tantos obstáculos, caminhamos para uma condição climática cada vez mais crítica. “Esse não é o cenário que queremos. Mas fazer um acordo não é fácil. O que estamos vendo não é um acordo ambiental internacional – o que estamos vendo não é senão a maior revolução industrial e energética jamais vista”, concluiu Christiana Figueres, secretária-executiva da Convenção Quadro da ONU sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC).
* Publicado originalmente no site CarbonoBrasil.