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Aquicultura como alternativa para alimentar os egípcios

Grades para peixes no rio Nilo. Especialistas pedem um enfoque mais holístico para a aquicultura do Egito. Foto: Cam McGrath/IPS
Grades para peixes no rio Nilo. Especialistas pedem um enfoque mais holístico para a aquicultura do Egito. Foto: Cam McGrath/IPS

 

Cairo, Egito, 4/8/2014 – Menos de 4% do território do Egito é de terras cultiváveis, concentradas ao redor do delta e do vale do rio Nilo. As autoridades se esforçam para garantir a segurança alimentar e melhorar os padrões de nutrição, diante dos prognósticos de que a população de 85 milhões de habitantes vai duplicar até 2050.

“Com a iniciativa de aumentar a eficiência e a produção de alimentos, o Egito terá que usar a água e a terra com inteligência para produzir alimentos”, afirmou o aquicultor Malcolm Beveridge. “Teria sentido juntar a aquicultura com a agricultura para aumentar a produção de alimentos por unidade de terra e água”, sugeriu.

Atualmente estuda-se a possibilidade de adotar uma aquicultura integrada, que é um enfoque holístico de produção de alimentos em que o desperdício do cultivo comercial de uma espécie é reciclado como nutriente e fertilizante para outra. Os projetos costumam consistir no cultivo de várias espécies aquáticas, mas o modelo sinérgico objetiva melhor integração com a produção de peixes, gado e variedades agrícolas.

“Um enfoque integrado seria o próximo passo lógico para a aquicultura do Egito, pois poderia diminuir significativamente os requerimentos de água e ao mesmo tempo aumentar a renda dos piscicultores”, pontuou Beveridge. A aquicultura experimentou um crescimento explosivo no Egito nas últimas décadas. A produção anual de peixes disparou de 50 mil toneladas, no final dos anos 1990, para mais de um milhão em 2013, superando a produção conjunta dos demais países da África e do Oriente Médio.

A piscicultura, como é praticada majoritariamente no Egito, simplesmente cavando um poço e enchendo de água e peixe, tem grandes desvantagens. Um velho decreto estabelece que a água potável e a usada para irrigação tenham preferência no Nilo, o que obriga os projetos de aquicultura a se localizarem nas sujas águas rio abaixo. Isso contamina os peixes e elimina a produtividade.

“Cerca de 90% da aquicultura do Egito usa águas da drenagem agrícola, cheias de pesticidas, líquidos de cloacas e efluentes industriais”, detalhou Sherif Sadek, gerente da Aquaculture Consultant Office, com sede no Cairo. “Por que primeiro usamos a água para a agricultura e depois a da drenagem para a aquicultura? Deveria ser o contrário, usar primeiro a água para a aquicultura e depois para irrigar os campos”, afirmou.

A aquicultura integrada reverte o paradigma do uso da água, com benefícios tangíveis tanto para os estabelecimentos onde se pratica a piscicultura quanto para os cultivos. A prática ainda engatinha no Egito, mas vários projetos já demonstraram a viabilidade comercial.

Na granja El Keram, no deserto a noroeste do Cairo, os agricultores bombeiam água para cultivar tilápias, depois a reciclam para os tanques onde criam peixe-gato. O líquido que drenam desses tanques, rico em nutriente orgânicos, é usado para irrigar e fertilizar campos de trevos. Depois, as cabras e as ovelhas que pastam ali produzem esterco com o qual se gera biogás para a calefação dos tanques do criadouro ou dos tanques no inverno.

“O projeto demonstrou como os agricultores que optaram pela aquicultura quando a salinidade deixou estéreis suas terras podem aumentar a produtividade e sua renda, usando o mesmo volume de água”, explicou Sadek. Outros projetos integrados em terras desérticas consistem em cultivar espécies aquáticas, como corvina e dourado, e dirigir as águas residuais para tanques com tilápia vermelha, que é tolerante à grande concentração de sais.

Segundo Sadek, a salmoura desses tanques também serve para cultivar salicórnias, plantas halófitas (plantas com grande tolerância à salinidade) muito procuradas para a produção de biocombustíveis, forragem e como ingrediente gourmet de saladas. “A salicórnia pode ser regada com água extremamente salgada e produz semente e óleo, bem como forragem, para camelos e ovelhas”, acrescentou.

Especialistas asseguram que a aquicultura integrada oferece maior eficiência e exige até 70% menos água do que os sistemas de produção não integrados. Também é um método rentável de eliminar dejetos, além de permitir aos agricultores mais pobres economizar a compra de fertilizantes. Beveridge observou que as iniciativas de aquicultura de pequena escala que não podem adquirir os sistemas fechados, empregados em El Keram, ainda podem se beneficiar deste modelo integrado graças ao qual poderão colher produtos comerciais o ano todo.

“A aquicultura no Egito tem o problema de que o período vegetativo relativamente curto”, pontuou Beveridge. Entre dezembro e fevereiro, as temperaturas são muito baixas para sustentar o crescimento dos peixes. Os aquicultores que tentam fazer com que hibernem costumam perder uma grande quantidade de animais devido ao estresse e às enfermidades, acrescentou.

Estudos-piloto demonstram que os piscicultores podem capitalizar os nutrientes que se acumulam no barro que cobre o fundo dos tanques onde criam os peixes. “A ideia é que se esvazie os tanques em novembro, recolha os peixes e depois cultive trigo em seu fundo, que será colhido em março, antes que a área volte a encher de mato e colocar peixes jovens nela”, explicou Beveridge. Envolverde/IPS