Área “vip” em hospitais?

A partir de agosto, Organizações Sociais de Saúde (OSS) que administram hospitais públicos paulistas deverão ser ressarcidas pelo atendimento realizado com pacientes conveniados a planos de saúde. Um decreto do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB) – que instituiu, nesta semana, a polêmica lei aprovada pela Assembléia Legislativa, no final de 2010 –, permite que até 25% dos leitos dessas instituições sejam utilizados por estes pacientes.

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O governador Geraldo Alckmin, que determinou que planos de saúde paguem atendimentos em hospitais paulistas.

Com a norma, especialistas acreditam que o governo tucano esteja estabelecendo uma “dupla porta” nos hospitais da rede pública, com uma espécie de “cota” que beneficiaria justamente uma fatia já privilegiada da população. Dizem também que, com a negociação direta entre OSS e convênios, o sistema público não teria nenhum tipo de ressarcimento e as organizações privadas, aparentemente sem fins lucrativos, teriam ganhos indefinidos.

Em declaração ao site Vi o Mundo, no dia 21 de dezembro de 2010, o presidente do SindSaúde (Sindicato dos Trabalhadores Públicos da Saúde), Benedito Augusto de Oliveira, chegou a classificar a mudança como “criminosa”. “Não há como regulamentar essa separação de leitos ou dizer a uma pessoa doente que ela ficou além da cota prevista pelo projeto. Isto é um crime. A proposta de privatização dos leitos antes que Alckmin assuma o governo demonstra o interesse econômico e político do projeto”, afirmou.

As OSS são entidades contratadas pela Secretaria de Saúde para gerenciar unidades de saúde com o intuito de tornar a administração mais ágil, sobretudo para a contratação de pessoal.

Segundo Paulo Eduardo Elias, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e especialista em gestão de saúde, o sistema, como é hoje, permite que apenas 20% desses atendimentos sejam ressarcidos pelas empresas. O restante era contestado pelos planos, que alegavam, na maior parte dos casos, que os atendimentos desrespeitavam os trâmites burocráticos do próprio convênio.

Agora, os planos pagarão diretamente ao administrador do hospital por serviço prestado – e a Secretaria de Saúde deixa de bancar esses leitos. Segundo Elias, o lucro das OSS deve aumentar. O especialista explica que os valores da tabela para pagamento de prestação de serviços dos convênios são maiores do que as do setor público, de maneira que será necessária uma fiscalização intensa para que as OSS não deem preferência ao atendimento a pacientes conveniados.

“Não dá para você fazer a regulação desse processo: é quase impossível”, diz. Segundo o professor, no Hospital das Clínicas, os 3% de atendimentos por convênio correspondem a 21% da arrecadação da unidade.

Segundo dados da Secretaria de Saúde veiculados pelo jornal Folha de S.Paulo, um em cada cinco pacientes dos hospitais paulistas tem algum tipo de convênio médico. A situação é alarmante sobretudo em relação às unidades ultraespecializadas. Segundo o jornal, no Instituto do Câncer do Estado Octavio Frias de Oliveira, 18% dos pacientes possuem planos que não pagam pelo atendimento aos seus clientes.

Planos x Estado

Cristina Monteiro, médica de pronto socorro na região do Butantã, acredita que decisão do governo tenha sido acertada. Segundo ela, os maiores beneficiados com o sistema atual eram os próprios planos de saúde. Muitos dos clientes dessas empresas acabavam optando pelo atendimento do SUS em razão do inchaço e falta de abrangência da cobertura de seus planos, que acabavam se isentando de um gasto.

Assim, o sistema de saúde público acabava preenchendo as lacunas geradas pelos serviços privados. “Dependendo do lugar, você é atendido melhor no SUS do que pelos convênios,” afirma. Segundo ela, é uma briga antiga fazer os planos pagarem pelos serviços prestados pelo SUS. É uma maneira de cobrar que as empresas forneçam melhores serviços aos seus pacientes e deixem de se apoiar no sistema público.

* Publicado originalmente no site da revista Carta Capital.