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Argentina descobre a África

Buenos Aires, Argentina, 17/4/2012 – Sob a bandeira da cooperação Sul-Sul, a Argentina se lançou a consolidar seus laços com a África, começando por países de sustentado crescimento econômico, como Angola e Moçambique, mas também com outros de menor desenvolvimento. “Desde 2005, estamos procurando nos relacionarmos mais com a África, onde há países com uma importante dinâmica de crescimento econômico”, disse à IPS o coordenador do Fundo Argentino de Cooperação Horizontal (FO-AR), Diego Boriosi.

O FO-AR opera dentro da Direção Geral de Cooperação Internacional do Ministério das Relações Exteriores. Boriosi acompanhou em março o chanceler argentino, Héctor Timerman, em sua viagem a Angola e Moçambique. Na prática esta visita foi uma prévia da viagem que a presidente Cristina Fernández realizará em maio a Angola.

Timerman foi recebido pelos mandatários dos dois países e destacou, na oportunidade, que essa primeira visita oficial de um chanceler argentino às duas nações refletia “uma mudança de modelo e um novo olhar sobre o mundo”. Boriosi explicou que, por razões históricas, até há alguns anos os países da África tinham mais relação com suas ex-metrópoles (França, Grã-Bretanha e Portugal). Agora estão mais dispostos a se relacionar com a América Latina, acrescentou.

O interesse é comum. Em entrevista à IPS o especialista em relações internacionais Javier Surasky, professor da Universidade Nacional de La Plata, recordou que o Brasil já iniciou, “com êxito, um processo de projeção para a África de língua portuguesa”. Esta estratégia foi impulsionada fortemente pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que viajou dez vezes à África e visitou 20 países. Este laço foi mantido mesmo depois de passar o cargo a Dilma Rousseff.

Essa aproximação foi fundamental na designação do primeiro latino-americano à frente da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO), o brasileiro José Graziano da Silva, que ao assumir o cargo este ano prometeu priorizar o combate à fome na África. O objetivo brasileiro é “liderar o mundo de fala portuguesa, algo que já conseguiu deslocando Portugal dessa posição”, disse Surasky, especialista em temas de cooperação Sul-Sul.

Boriosi disse que a Argentina “compartilha o interesse” de maior aproximação com a África, mas esclareceu que o vínculo que procura “não tem a intensidade” do brasileiro, “por razões culturais”. A ideia é colocar “a Argentina como uma cooperante de nível global”, ressaltou. Tradicionalmente, na Argentina a cooperação Sul-Sul se centrava em países da região. Esse eixo se mantém como o principal, destacou Boriosi, mas agora a política de ajuda mútua se ampliou para a África e o sudeste da Ásia.

Novos projetos vão se consolidando na China, Tailândia, Indonésia, no Laos ou Camboja, em áreas tão diversas com agricultura, comércio, fortalecimento da governabilidade ou direitos humanos. Neste novo cenário, os esporádicos projetos de cooperação que havia com a África nas décadas de 1980 e 1990 começaram a ganhar maior relevância e, sobretudo, agora passam a estar acompanhados de uma vontade de aproximação e conhecimento mútuo.

A chancelaria “gera a oportunidade do vínculo, marca a agenda, planta a semente”, definiu Boriosi, depois, se necessário, “se dá um novo empurrão” à relação com uma viagem como a liderada pelo ministro. A visita a Angola teve um acentuado cunho comercial. Timerman foi acompanhado por cerca de 300 empresários e foram identificadas áreas de cooperação em temas de desenvolvimento econômico.

No caso de Moçambique, também houve aproximação de órgãos técnicos da Argentina, que podem dar assessoria e cooperação aos seus pares nesse país, como o Instituto Nacional de Tecnologia Agropecuária. Paralelamente, outros Ministérios, com ou sem apoio financeiro do FO-AR, também vão consolidando seus próprios vínculos. Neste ponto, houve contatos da pasta da Defesa com a África do Sul e da Agricultura com esse país e o Quênia. Boriosi afirmou que a cooperação também objetiva países do Magreb, na faixa norte da África, e a Nigéria, onde já se trabalha com a Organização Mundial da Saúde em capacitação técnica para campanhas contra a poliomielite.

Para Surasky, “esta aproximação com a África faz parte de uma política externa argentina que busca reforçar seus laços com outros países do Sul, uma posição que no ano passado lhe deu a presidência do Grupo dos 77”, atualmente formado por 130 membros, incluída a China. a cooperação Sul-Sul foi um dos eixos centrais do programa de ação apresentado por Buenos Aires para ganhar a presidência anual do grupo que, desde 1964, representa os interesses do mundo em desenvolvimento nos fóruns das Nações Unidas.

Os motivos do atual interesse argentino na África e na Ásia fazem parte, segundo Surasky, da “vocação do governo para consolidar poder desde o Sul”. Para este especialista, “não menos importante é que resulta em um exercício reativo diante da política externa do Brasil”. Além disso, “existe a necessidade de ampliar mercados frente à retração de países desenvolvidos, em razão da crise. O mercado dos países ricos da África é extremamente atraente para algumas empresas argentinas”, afirmou.

De todo modo, Surasky expressou dúvidas quanto ao longo prazo. “Embora hoje a vocação argentina de se projetar na África seja clara, minha dúvida é o que acontecerá com o tempo com uma política externa que nas últimas décadas se caracterizou pelas descontinuidades”. Envolverde/IPS