Arquivo

Argentina novamente no mapa do Brics

Foto de família da V Cúpula do Brics, realizada em 2013 na cidade sul-africana de Durban. Foto: Governo da África do Sul
Foto de família da V Cúpula do Brics, realizada em 2013 na cidade sul-africana de Durban. Foto: Governo da África do Sul

 

Buenos Aires, Argentina, 5/6/2014 – Enquanto a Argentina começa a fazer as pazes com os mercados financeiros internacionais, as potências emergentes do Brics a convidaram para sua próxima cúpula. Este poderia ser um passo para sua reinserção no mapa mundial, após o ostracismo que viveu pela crise da suspensão de pagamentos de 2001. A letra “A”, inicial deste país do Cone Sul americano não integra, pelos menos no momento, a sigla Brics, formada pelas iniciais de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, mas em Buenos Aires já há muitos especulando se será Bricsa, Abrics ou Bricas.

O convite para a presidente Cristina Fernández participar da sexta cúpula do grupo, que acontecerá no dia 15 de julho em Fortaleza, é visto como mais uma piscada para sua incorporação depois que a Índia revelou seu interesse, bem como Brasil e África do Sul, de incorporar a terceira economia latino-americana.

“É um dado significativo para a Argentina”, afirmou à IPS a economista da Universidade de Buenos Aires (UBA), Fernanda Vallejos. Isso “mostra não só o reconhecimento pelos demais integrantes da importância e da potencialidade da Argentina, como também de uma porta aberta para um reforço nos campos político e econômico de nosso país no concerto mundial”, afirmou. Vallejos ressaltou o protagonismo do Brics durante a última década no crescimento da economia mundial, em um contexto de crise financeira no Norte industrial.

Brics foi o nome com que em 2001 o economista Jim O’Neill, da investidora Goldman Sachs, batizou os maiores mercados emergentes. Em conjunto, representam cerca de um quarto do produto interno bruto mundial, 43% da população do planeta e 20% do investimento global. Além disso, segundo destacou a chancelaria argentina, esses países concentram 45% da força de trabalho do planeta, mais de US$ 3 trilhões em reservas monetárias internacionais e produção agrícola de dois bilhões de toneladas ao ano.

Em um mundo marcado pelos blocos, Vallejos disse que o Brics tem crescente eco nos fóruns internacionais, onde “reclamam uma participação de acordo com o peso de suas economias”. “A proposta da Índia, com quem o comércio bilateral cresceu 30% interanual durante 2013, apoiada por Brasil e África do Sul, lança definitivamente por terra a cantilena da oposição interna sobre um suposto isolamento do mundo de nosso país”, apontou Vallejos, também pesquisadora do Observatório de Energia, Tecnologia e Infraestrutura para o Desenvolvimento.

O convite formal a Fernández foi feito pela Rússia, que dessa forma também confirmou seu apoio. “Creio que isso demonstra que a Argentina está plenamente inserida nas relações internacionais, não ‘isolada do mundo’. Simplesmente, não se amolda às políticas dos países centrais a qualquer custo e em qualquer circunstância, como em outros momentos de sua história”, destacou à IPS o analista político Nicolás Tereschuk, também da UBA.

O convite que Argentina recebeu do Brics quase coincidiu com o anúncio, no dia 28 de maio, do acordo alcançado entre o governo de Fernández e o Clube de Paris, ao qual este país devia US$ 9,7 bilhões, desde a moratória de pagamentos (default) de 13 anos atrás. Setores políticos argentinos questionam como ilegítima esta dívida com credores oficiais, por ter se originado em sua maior parte durante a ditadura militar (1976-1983). Mas o governo de centro-esquerda de Fernández espera que o acordo facilite a volta de financiamento e investimento internacionais.

Para o economista Diego Coatz, esse acordo e outras medidas adotadas pelo governo, como a de “melhorar” suas estatísticas públicas questionadas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), evidencia um “giro” das autoridades destinado a “se reintegrar ao mundo em matéria financeira” e a “situar-se de forma positiva internacionalmente”.

Nesse contexto, Coatz, integrante do Centro de Estudos da União Industrial Argentina, situa a aproximação com o Brics. A incorporação permitirá que a Argentina “volte a aparecer como país emergente em vias de desenvolvimento com muito potencial”, afirmou. Também representaria uma nova janela de financiamento externo, quando é necessário captar divisas e atrair investimentos, acrescentou.

O grupo projeta a criação de um Banco de Desenvolvimento Regional, alternativo a organismos como FMI, Banco Mundial ou Banco Interamericano de Desenvolvimento, que poderá ser formalizado no encontro de Fortaleza. O banco teria um fundo de US$ 50 bilhões para financiar infraestruturas em seus países. Além disso, estabeleceria um fundo de reservas comuns de US$ 100 bilhões, que “serviria de seguro diante da volatilidade dos mercados”, segundo Vallejos.

“A Argentina poderia ter acesso a financiamento com taxas menores em relação aos onerosos juros exigidos por outros organismos internacionais” e assim financiar a infraestrutura para seu financiamento, ressaltou a economista. “O aprofundamento do comércio internacional a partir de um potencial ingresso no Brics significa importantes possibilidades para a Argentina de avançar fortemente na consolidação de um perfil industrial de maior desenvolvimento, com inserção em cadeias globais, desenvolvimento de setores estratégicos e industrialização do setor rural”, pontuou.

Mas o interesse seria recíproco por parte dos países do Brics. “O convite chega depois das turbulências nos mercados emergentes no começo deste ano, após as quais a imprensa do ‘establishment’ financeiro internacional falou de uma ‘decadência’ dos Brics”, disse Tereschuk. Além disso, “a China crescerá a um ritmo um pouco menor, a Índia está em um momento decisivo, com a encruzilhada de crescimento mais acelerado ou paralisação, e a economia brasileira não está em um momento tão florescente”, detalhou.

Além disso, para eles e os demais membros do bloco “unir-se a um país da periferia que integra o G-20 (Grupo dos 20) parece que é uma decisão interessante dos Brics”, ressaltou Tereschuk. Por sua vez, o G-20, formado por economias industrializadas e emergentes, “está também em certa crise, devido à crise em que estão imersos os países centrais”, acrescentou. Por isso, segundo este analista, a Argentina serviria ao Brics para “fazer com que seja ouvida em uníssono” a voz desses dois líderes sul-americanos, Argentina e Brasil, “na maior quantidade de lugares possíveis”.

Para este especialista, trata-se de dois países que lideraram um “giro à esquerda”, com “crescimento, redução da pobreza e da desigualdade em um contexto democrático e demais direitos políticos, civis e sociais para seus cidadãos”. E afirmou que “todas essas características – em conjunto – não podem ser mostradas pelos demais integrantes do Brics”.

Vallejos, por sua vez, destacou o papel da Argentina como fornecedora de matérias-primas. “Somos uma potência em matéria agrícola”, ressaltou. Além disso, a Argentina “conta com a segunda reserva mundial de lítio, uma das principais de ouro metálico, com quase dez mil toneladas, 500 milhões de toneladas de cobre e 300 mil de prata metálica, ao mesmo tempo em que nos projetamos como terceiro exportador mundial de potássio”, enfatizou.

“Estamos sobre a terceira maior plataforma do mundo em matéria de hidrocarbonos não convencionais. E a isso deve-se somar o desenvolvimento tecnológico e o desenvolvimento nuclear para usos pacíficos”, acrescentou o especialista. Bricas, Abrics, Bricsa. O que está em jogo é algo mais do que a definição de uma nova sigla. Envolverde/IPS