Buenos Aires, Argentina, 28/8/2012 – “Os novos edifícios da capital argentina foram construídos por paraguaios”, assegurou com certo orgulho Isidro Méndez, de 60 anos. Este imigrante, que dirige uma construtora, é um das centenas de milhares de estrangeiros que chegaram a este país carregando na bagagem apenas a ilusão de um futuro melhor. A constante recuperação econômica e o consequente aumento do emprego, desde meados da década passada na Argentina, frearam a saída de argentinos e impulsionaram a imigração a partir da América do Sul, especialmente do Paraguai e da Bolívia. Embora não seja um fenômeno novo, é notável o aumento registrado nesse período.
Um aspecto agregado e fundamental foi a facilidade para se radicar, disposta pelo governo de centro-esquerda do falecido Néstor Kirchner (2003-2007), que antecedeu o atual, exercido por sua mulher, Cristina Fernández. “Nós sabemos sofrer”, resumiu para a IPS o paraguaio Méndez, que se estabeleceu neste país com apenas 17 anos. Primeiro aprendeu a trabalhar como operário da construção e agora, como patrão, tem dezenas de compatriotas sob seu comando levantando casas e prédios.
O estudo O Impacto das Migrações na Argentina, apresentado este mês pela Organização Internacional das Migrações (OIM), indica que 77% dos estrangeiros residentes na Argentina são originários de outros países sul-americanos. Procedem, sobretudo, dos limítrofes Brasil, Bolívia, Chile, Paraguai e Uruguai, bem como do Peru. Entre 2001 e 2010, a quantidade de estrangeiros cresceu de um milhão para 1,4 milhão, os quais foram “quase plenamente absorvidos pelo mercado de trabalho”, afirma a OIM.
Os dados indicam que 39% dessas pessoas são do Paraguai, sendo que no Censo de 2001 somavam mais de 325 mil, e no de 2010 passavam de 550 mil. Os homens trabalham principalmente na construção civil e as mulheres no serviço doméstico. “Todos os que vêm do Paraguai trabalham”, assegurou Méndez. “Os argentinos têm nojo do pó e da pá. E se chove e é preciso descarregar caminhões de sacos de cimento, como aconteceu hoje, certamente fariam greve”, acrescentou, ironicamente. O estudo da OIM indica que, entre 2003 e 2010, a construção da Argentina teve crescimento anual de produtividade de 14%.
A segunda comunidade de estrangeiros é a boliviana, que reúne 25% da nova imigração em 2010. Em 2001, os bolivianos somavam 231 mil, enquanto em 2010 chegaram a mais de 345 mil e sua ocupação majoritária ocorre na produção hortifruti e no comércio. Numerosas famílias bolivianas arrendam terras nos distritos dos arredores das cidades para fornecer-lhes frutas e verduras, diz a OIM. Mas também são encontrados nas indústrias têxtil e de calçados.
Estes dois coletivos nacionais procedem principalmente das camadas mais baixas das sociedades de origem e contam com escasso nível de instrução. No caso dos paraguaios radicados na Argentina, 59% chegaram apenas com estudos primários, enquanto 43% dos bolivianos apenas terminaram esse ciclo. A maioria (55%) se emprega de forma precária, sem que possam contribuir com o sistema de seguro saúde e aposentadoria. Mas têm acesso a serviços públicos de saúde e educação e a transferência de renda do Estado.
Entre os 1,4 milhão de estrangeiros residentes na Argentina, também há 14% de chilenos, 11% de peruanos, 8% de uruguaios e 3% de brasileiros. Juan Artola, representante regional da OIM para o Cone Sul da América, confirmou à IPS que os imigrantes chegam à Argentina “porque há trabalho e porque existe uma legislação que lhes permite ter acesso a residência com relativa facilidade”.
A tradicional imigração de países limítrofes sofreu uma aceleração nos anos 1990 devido à Lei de Convertibilidade, um regime cambial imposto pelo governo de Carlos Menem (1989-1999), que manteve o peso em paridade com o dólar por quase uma década, facilitando a economia nessa moeda. Contudo, esse regime não tinha uma base sólida e acabou naufragando no final de 2001. O peso sofreu profunda desvalorização enquanto a economia sucumbia junto com o governo de Fernando de la Rúa (1999-2001).
A incontrolável perda de empregos e o consequente aumento da pobreza, que chegou a afetar mais de 50% dos então 38 milhões de argentinos, empurraram dezenas de milhares para o exterior e também milhares de imigrantes para seus países de origem. Da mesma forma, a maioria dos estrangeiros permaneceu no país. Susana, que não quis dar o sobrenome, contou à IPS que é do Peru. Chegou à Argentina “na época de Menem”. Sem documentos, trabalhou no serviço doméstico de forma precária por vários anos e, com a crise e a desvalorização de 2002, ficou difícil continuar enviando dólares para o Peru para manter sua filha.
No entanto, Susana conseguiu se radicar. Seus empregadores começaram a ajudá-la e, em 2008, trouxe sua filha para estudar na estatal Universidade de Buenos Aires. No seu caso, os trâmites burocráticos para se estabelecer, realizados a partir da nova legislação, facilitaram muito sua estabilidade no emprego e o reagrupamento familiar. Em 2003, a Argentina revogou uma lei da ditadura (1976-1983) sobre o estabelecimento de estrangeiros e sancionou uma nova que reconhece a imigração como um direito humano.
A lei facilita a burocracia, reconhece aos imigrantes o direito a serviços de saúde e educação, proíbe que seja negada atenção aos que não estão estabelecidos e elimina a obrigação dos funcionários de denunciá-los. Em 2006, foi lançada a campanha Pátria Grande para o acesso de estrangeiros a residência temporária mesmo sem contrato de trabalho. Bastavam o documento nacional e o atestado de antecedentes criminais.
“Evidentemente, aqui muitos encontraram melhores possibilidades de trabalho. Ainda que inicialmente sua inserção seja de forma precária, podem formalizá-lase tiverem os papéis de estabelecimento”, explicou Artola. Também destacou que “nenhum outro país da América do Sul recebe a proporção de imigrantes que a recebe a Argentina. Este também é um país que nunca deportou, sempre foi aberto, e onde o mercado de trabalho cresceu muito desde 2003”. Envolverde/IPS