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Armas russas para o Egito apontam contra influência dos Estados Unidos

Um batalhão egípcio em jipes YJ por volta de 1992. Os soldados que estão em pé portam mísseis terra-ar SA-7 Grail, fabricados na Rússia. Foto: Domino Público
Um batalhão egípcio em jipes YJ por volta de 1992. Os soldados que estão em pé portam mísseis terra-ar SA-7 Grail, fabricados na Rússia. Foto: Domino Público

 

Nações Unidas, 13/3/2014 – A Rússia, que enfrenta os Estados Unidos por seu papel na crise política da Ucrânia, ameaça enfraquecer a tradicional relação militar norte-americana com o Egito, um aliado estratégico no Oriente Médio. Uma foto do presidente russo, Vladimir Putin, apertando a mão do ditador egípcio, Abdel Fatah Al Sisi, em fevereiro, percorreu os jornais e canais de televisão do mundo árabe.

Sisi, que pretende se candidatar às eleições presidenciais de seu país no final deste ano, esteve em Moscou para negociar um acordo de compra de armamento no valor de US$ 2 bilhões.

“O governo dos Estados Unidos construiu as modernas forças armadas egípcias durante as três últimas décadas”, disse à IPS a especialista Natalie J. Goldring, do Programa de Estudos sobre Segurança da Escola no Serviço Exterior Edmund A. Walsh, da Universidade de Georgetown. “Agora, o Egito teria que reformar completamente suas forças armadas para passar às armas russas”, acrescentou.

Paradoxalmente, caso esse acordo se concretize, o dinheiro para pagá-lo virá de três fortes aliados dos Estados Unidos na região: Arábia Saudita, Kuwait e Emirados Árabes Unidos, que dependem muito das armas norte-americanas para sua sobrevivência. No ano passado, os três países prometeram entregar US$ 12 bilhões ao Egito, por dois motivos.

Primeiro, dar apoio econômico ao regime em bancarrota de Sisi, que derrubou o governo de Mohammad Morsi, da Irmandade Muçulmana. E, segundo, para enfrentar a ameaça norte-americana de reduzir ou congelar sua ajuda militar de milhares de milhões de dólares e de suspender os fornecimentos de armas para Cairo.

Washington expressou seu descontentamento com a derrubada de Morsi, chefe do primeiro governo democraticamente eleito no Egito. Apesar dessas tensões, Goldring acredita que as armas norte-americanas continuarão predominando nas forças armadas egípcias, pelo menos no futuro imediato.

Segundo o Serviço de Investigações do Congresso, mais de 80% dos carregamentos de armas recebidos pelo Egito nos últimos anos, segundo seu valor em dólares, foram fornecidos pelos Estados Unidos. Washington entrega ao Egito cerca de US$ 1,3 bilhão em ajuda militar anual desde que o Egito assinou um acordo de paz com Israel em 1979

“Embora a atenção tenha se centrado no valor monetário do acordo, é mais importante observar o tipo de armamento (russo) que seria entregue”, observou Goldring, que também representa a não governamental Acronym Institute junto à Organização das Nações Unidas (ONU) em matéria de armamento convencional e comércio de armas.

Pieter Wezeman, pesquisador do Programa de Transferências de Armas do Instituto Internacional da Paz de Estocolmo (Sipri), disse à IPS que o acordo incluirá sistemas de defesa aérea, MiG 29 ou aviões de combate Sukhoi, além de helicópteros de combate e de transporte, e mísseis antitanque. Não surpreende o Egito buscar essas armas para somar às que recebe dos Estados Unidos, apontou. Há muito tempo Cairo vem tentando diversificar seus fornecedores de armas para não ter que depender de Washington.

Wezeman afirmou que há informes de busca de novos aviões de combate de fontes não norte-americanas para substituir seus velhos modelos soviéticos e chineses, entre elas China, Rússia e inclusive excedentes de origem francesa dos Emirados Árabes Unidos. Goldring disse que o tipo de armamento a ser adquirido determinará os efeitos militares do acordo. Embora os sistemas avançados de mísseis terra-ar sejam muito mais baratos do que, por exemplo, os aviões de combate, podem ter efeitos militares significativos, ressaltou.

Antes do acordo de paz de 1979, o Egito estava equipado principalmente com armas soviéticas. Goldring estima que a substituição dessas armas, obtidas nas décadas de 1960 e 1970 da então União Soviética, é, provavelmente, menos importante do ponto de vista militar. “Esta venda russa não tem a ver simplesmente com os potenciais efeitos militares, mas também com geopolítica mundial”, destacou.

Ao financiar a compra egípcia o governo saudita mostra que prefere o governo militar egípcio ao de Morsi, pontuou Goldring. Por outro lado, a Rússia consegue dinheiro da Arábia Saudita por fornecer as armas. A venda também dá a Moscou um instrumento para debilitar ainda mais os vínculos entre Egito e Estados Unidos, acrescentou.

Os sauditas comprometeram grandes quantidades de ajuda ao governo militar, começando por um compromisso de US$ 5 bilhões apenas uma semana depois de as forças armadas tomarem o poder, em julho de 2013. Os sauditas também gerenciaram contribuições dos Emirados Árabes Unidos de US$ 3 bilhões e do Kuwat no valor de US$ 4 bilhões, de um compromisso total de US$ 12 bilhões.

Para Wezeman, esse acordo não fará a Rússia se converter no único ou no principal fornecedor de armas do Egito, aproveitando o atual racha nas relações entre Cairo e Washington. Segundo ele, os Estados Unidos  ainda planejam manter sua grande ajuda militar, e o Egito está comprando armas de diversas fontes.

Embora os países a União Europeia (UE) tenham acordado avaliar cuidadosamente suas exportações de armas para o Egito após a violência de agosto de 2013, não parecem ter perdido interesse em vender-lhe armamentos, ressaltou Wezeman. Na semana passada, soube-se que o Egito está muito perto de assinar um acordo de US$ 1,4 bilhão com uma empresa francesa, para adquirir entre quatro e seis corvetas equipadas com mísseis.

No ano passado, o Egito encomendou à Alemanha dois submarinos, agora em construção. E este ano encomendará outros dois. Segundo Wezeman, Cairo é um mercado já estabelecido para as armas chinesas, e, seguramente, Pequim se empenhará a fundo para não perdê-lo. Envolverde/IPS