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Artistas sofrem perseguição na Índia

Cartaz do filme Vishwaroopam.

 

Nova Délhi, Índia, 22/2/2013 – “Não tenho Deus, sou um artista. Vou buscar outro país que seja laico e me adote”, disse emocionado um dos atores mais famosos e aclamados da Índia, Kamal Haasan. Mais que um artista, Haasan é uma estrela com muitos seguidores fanáticos, mas que agora atraiu a ira de grupos muçulmanos radicais. Haasan teve que dar muitas voltas para conseguir que seu filme trilíngue Vishwaroopam (Universo), de US$ 17 milhões, fosse, finalmente, difundido no mês passado em seu Estado natal de Tamil Nadu, no sul da Índia. O filme, sobre terrorismo, se chama Vishwaroopam em tamil e Vishwaroop em hindi.

Enquanto o ator de 58 anos fazia suas gestões, o sociólogo Asish Nandy aguardava em Nova Délhi para ser interrogado pela polícia por ressaltar que a corrupção é o grande igualador na sociedade de castas da Índia. Ele fez esse comentário no Festival de Literatura de Jaipur, capital do Estado de Rajastán, no dia 26 de janeiro. Além disso, o escritor britânico de origem indiana Salman Rushdie está proibido, desde o ano passado, de participar desse festival por razões de segurança pessoal.

Nandy foi o centro de uma controvérsia este ano, depois que representantes e dirigentes políticos das castas mais baixas pediram sua prisão porque suas declarações sugeriam que eles eram mais corruptos do que os demais estratos sociais. Nandy, acusado por uma lei que protege os direitos das castas mais baixas, pode ser condenado a dez anos de prisão.Ele argumenta que nunca chamou as castas mais baixas de corruptas, mas defendeu seus direitos dizendo que a corrupção dos ricos encontrava sua contrapartida em grupos das castas mais baixas que se permitiam práticas semelhantes.

Foi feita uma denúncia contra Nandy na polícia de Jaipur, e o produtor do festival, Sanjoy Roy, deixou a cidade só depois de ser ouvido pela polícia. Os defensores da livre expressão na Índia se sentiram intimidados pelo fato de comentários em um festival literário poder levá-lo à prisão. “Na Índia acontece uma olimpíada da intolerância”, lamentou Javed Akhtar, um dos principais roteiristas de Bollywood e que escreveu a letra em hindi das canções do filme de Haasan.

“Há uma competição de intolerância em que cada grupo persegue a medalha de ouro. Quando alguém expressa sua opinião é taxado de antipatriota, pró-Paquistão, kafir (infiel) e de outras coisas”, contou Akhtar à IPS. “Todo o caso de Vishwaroopam é ridículo, pois o filme foi aprovado pela Junta de Censura”, destacou. “Agora é moda promover a intolerância e muita gente também a propaga desde o anonimato das redes sociais”, acrescentou.

Haasan, que conseguiu a apresentação de seu filme em Tamil Nadu após realizar várias edições, disse ser vítima de terrorismo cultural. “Creio que junto com meus amigos muçulmanos estamos sendo o instrumento de um jogo político. Não sei quem joga nem vou arriscar”, afirmou. Organizações defensoras das liberdades civis afirmam que na Índia há uma tendência crescente em criminalizar a dissensão. “Peço às autoridades que não criminalizem a discordância. É terrível a forma como a política acompanha cada um destes incidentes”, disse à IPS Kavita Srivastava, da União Popular para as Liberdades Civis (PUCL).

A presidente da Junta de Censura, a bailarina Leela Samson, disse que são de temer as novas e duras medidas contra a liberdade de expressão. “Me sinto muito mal por isso, como artista e como presidente da Junta Central de Certificação de Filmes”, disse à IPS. Os protestos e as farsas legais afetam a autoridade de um órgão como a Junta, e “as controvérsias distraem da questão principal, que é a criatividade dos artistas e a liberdade necessária para ser criativo”, enfatizou.

Porém, na medida em que os intelectuais indianos se expressam, os acontecimentos ocorrem. Salman Rushdie teve que cancelar, no dia 30 de janeiro, sua visita à cidade de Kolkata para a promoção do filme Filhos da Meia-Noite, adaptação de sua novela de mesmo nome, e participar de um encontro literário na feira do livro que acontece anualmente nessa cidade. Alguns grupos islâmicos de Kolkata decidiram deter Rushdie, que há décadas desagradou alguns muçulmanos com sua controvertida novela Os Versos Satânicos. Um líder muçulmano disse estar contente com o fato de o governo estadual não ter oferecido segurança ao escritor.

“Encabeçamos um protesto no aeroporto, mas depois descobrimos que ele não viria. Não permitiremos a presença aqui de uma pessoa que escreveu palavras blasfemas”, declarou Idris Ali, que lidera o Fórum de Minorias da Índia. V. Kumaresan, secretário-geral do Fórum de Racionalistas em Tamil Nadu, disse que o Estado deveria se manter neutro. “Mas a posição prevalente não é essa. O Estado fica submerso pelo aumento da intolerância”, ressaltou. Envolverde/IPS