Um texto sujeito a diversas interpretações, com vírgulas mal colocadas e “pegadinhas” marca o novo Código Florestal. Na emenda 164, uma das mais polêmicas e com veto já anunciado por Dilma Rousseff, a modificação de uma vírgula poderia impedir que fosse liberado uso das Áreas de Preservação Permanente (APPs) para atividades “agrossilvopastoris”, segundo Gustavo Trindade, advogado que também participou do seminário. A medida quase passa despercebida em uma primeira leitura.
“A intervenção ou supressão de vegetação em APPs (…) ocorrerá nas hipóteses de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto ambiental previstas em lei, bem como as atividades agrossilvopastoris (…)”. Segundo Trindade, esse trecho sugere duas interpretações: de que as atividades agrossilvopastoris seriam permitidas apenas quando previstas em lei ou a segunda, e com mais adeptos entre os juristas, de que, por estar citada depois da vírgula, essa atividade já estaria liberada assim que o Código Florestal for aprovado, independentemente de definição em lei.
Outro detalhe é, por exemplo, a aprovação, através de um dos artigos, do plantio de espécies exóticas em até 50% da área de reserva legal, trechos destinados a uma exploração sustentável e a manutenção do ecossistema local. Com isso, será possível o uso dessas áreas para a exploração comercial do eucalipto.
A análise de Trindade mostra que, levando em consideração o Zoneamento Ecológico-Econômico, que reduz a área de reserva, os 50% que podem ser destinados à plantação de árvores exóticas e os menos 10% de Reserva Legal que podem corresponder às APPs, a reserva legal de grandes propriedades no bioma amazônico é de 20%, enquanto nas propriedades dos demais biomas, com exceção do cerrado, que fica em torno de 12,5%, a reserva legal desaparece.
“Ainda não descobri qual foi a razão de modificarem o conceito de Reserva Legal”, diz Trindade, mesmo depois de sua análise. Apesar de afirmar que a culpa não é dos advogados, ele admite que profissionais foram escolhidos a dedo para redigir um texto intencionalmente ambíguo.
Samanta Pineda, que presta “consultoria e assessoria para adequação legal de projetos e atividades que utilizem recursos naturais, bem como àquelas potencialmente poluidoras do ar, solo e águas, inclusive levantamento da legislação ambiental aplicável”, recebeu 10 mil reais da verba indenizatória de Aldo Rebelo para auxiliar na parte jurídica do Código Florestal.
As influências do novo Código Florestal já podem ser sentidas mesmo antes de sua aprovação. Como o texto beneficia apenas aqueles que não conservaram a Reserva Legal de sua propriedade, muitos tem se esforçado para desmatar o mais rápido possível antes da aprovação da nova lei. Segundo Paulo Adário, que faz sobrevôos frequentes na Amazônia, os desmatamentos são cada vez mais visíveis. Mesmo ações do executivo foram adiadas, como a lei sobre a Regularização de atividades implantadas em Reserva Legal, que vem sendo adiada desde 2008 e deveria ser implementada no início do ano, mas foi novamente postergada para o fim de 2011, quando provavelmente o processo de aprovação do novo Código terá chegado ao fim.
Nesta terça-feira 16, foram iniciadas as discussões no Senado sobre o tema. O Código deve ser discutido em quatro comissões: Meio ambiente, Agricultura, Ciência e Tecnologia e Comissão e Justiça. Os dois lados (ambientalistas e ruralistas) se atacam mutuamente. Na segunda-feira 15, em evento em São Paulo que reuniu a bancada ruralista, Aldo Rebelo classificou as ONGs internacionais como arrogantes e aventureiras e afirmou que o Greenpeace quis intimidar publicamente o Congresso Nacional na votação do Código Florestal. “Cheguei à conclusão de que há um problema grave. Já votamos no Congresso reformas como a da Previdência, penal, e nunca houve uma confusão como houve na [votação] da reforma do Código Florestal”, comparou Aldo durante audiência pública no Senado, segundo a Agência Brasil.
Do lado ambientalista, ativistas do Greenpeace demonstraram que, mais do que antagonismo, tem por Rebelo um sentimento de incompreensão. Para o grupo, Rebelo se colocou à frente desse projeto em uma tentativa de resgatar o espaço e liderança de outros tempos e retrataram-no como um ser quase anacrônico, movido pela vaidade. Mas, no Senado, a ofensiva parece ser mais substancial. “A gente vai para cima da cachorrada”, diz Nilo D’avilla, funcionário da ONG.
*publicado originalmente pela Carta Capital.