Os combustíveis fósseis vivem um novo ciclo de expansão, cujos resultados vão alterar de maneira drástica a geopolítica da energia global. O pré-sal brasileiro é parte desse processo, mas seu epicentro decisivo encontra-se nos Estados Unidos.
Longe do declínio previsto por muitos especialistas e sintetizado na expressão “pico do petróleo”, a capacidade da produção mundial diária deve passar dos atuais 93 milhões de barris para 110 milhões em 2020. Dois são os requisitos fundamentais deste verdadeiro “oil revival“, que tem mobilizado investimentos superiores a US$ 500 bilhões anuais, desde 2010: o primeiro é que o preço do barril do petróleo esteja acima de US$ 70 e o segundo é que sejam vencidas as barreiras socioambientais que ameaçam este avanço.
Sob o ângulo geopolítico, dos quatro protagonistas centrais desta ampliação da oferta (Estados Unidos, Canadá, Brasil e Iraque), três encontram-se fora do círculo de influência do Golfo Pérsico, o que modifica completamente a ligação entre segurança nacional e energia, sobretudo nos Estados Unidos, que devem tornar-se a segunda potência petrolífera mundial até 2020. Essa virada torna-se mais provável caso os preços mantenham-se elevados ao menos até 2015, o que estimulará os investimentos necessários para que ela se concretize.
Essas são algumas das conclusões de um trabalho fundamental lançado em junho pelo Belfer Center for Science and International Affairs da Harvard Kennedy School. Leonardo Maugeri, seu autor, hoje pesquisador visitante sênior da prestigiosa instituição, é uma das grandes autoridades mundiais em petróleo e dirigiu a ENI, grande multinacional italiana na área de petróleo e gás. Não há qualquer exagero no título de seu estudo – Petróleo, a Próxima Revolução – que vem ocupando um espaço crescente na imprensa e nos círculos especializados em energia no mundo todo.
O que está em jogo nessa discussão são os próprios caminhos pelos quais vai passar o processo de descarbonização da economia global. Mais do que constatar fatos objetivos e estabelecer hipóteses sobre as tendências daí decorrentes, o trabalho de Maugeri preconiza uma rota em que a exploração crescente de petróleo seria compatível com as exigências socioambientais das sociedades contemporâneas. Por um lado, Maugeri procura mostrar que os problemas das novas tecnologias de exploração do petróleo (o fraturamento hidráulico, fracking, em inglês) são menores do que se imagina.
A infiltração de gás natural nos aquíferos, o envenenamento do subsolo por meio do uso excessivo de produtos químicos e mesmo os pequenos terremotos em algumas áreas de exploração não passam, a seu ver, de episódios esporádicos derivados de técnicas mal aplicadas.
Quanto às consequências do aumento da oferta sobre o aquecimento global, estes são temas que a captura e armazenagem de carbono, bem como a geoengenharia, seriam capazes de enfrentar. Em outras palavras, é um caminho em que mais extração e maior uso de combustíveis fósseis em nada comprometem o objetivo de luta contra o aquecimento global.
Apesar de sua importância, o trabalho de Leonardo Maugeri deixa na sombra ao menos dois problemas decisivos desta nova geopolítica do petróleo. O primeiro foi denunciado na parte do recém-publicado Global Environmental Outlook referente à América do Norte.
Estados Unidos e Canadá, diz o trabalho, têm sido “lentos na expansão de fontes renováveis de energia, capazes de reduzir as emissões de gases de efeito estufa”. As oportunidades de negócios trazidas por essas novas técnicas de extração de petróleo são imensas. E na prática seu aproveitamento reduz o potencial de investimentos e de inovação nas fontes renováveis. Em 2010, por exemplo, dos US$ 710 bilhões gastos em energia, no mundo, apenas US$ 70 bilhões foram para renováveis, como mostra um importante relatório das Nações Unidas.
Os efeitos dessa revitalização do petróleo são de longo prazo: cada dólar investido em energias fósseis (não só na extração, mas também na armazenagem e na distribuição) encarece os investimentos em fontes renováveis. Isto não apenas para o petróleo e o gás, mas para o conjunto da indústria petroquímica. Por mais promissoras que sejam as inovações tecnológicas voltadas à exploração do petróleo em locais e circunstâncias inimagináveis há alguns anos, elas trazem o inevitável inconveniente de fortalecer as estruturas materiais e institucionais da economia baseada em combustíveis fósseis. Quanto à captura e à armazenagem do carbono, o jornalista neozelandês Gordon Campbell lembra que, até aqui, trata-se de uma técnica que foi pouco além da prancheta dos engenheiros.
O segundo problema do revigoramento recente da exploração de combustíveis fósseis está em seus custos energéticos. Nenhum dos defensores da tese do pico do petróleo imagina que o precioso líquido negro vá desaparecer das profundezas do planeta. A questão está nos custos de sua exploração. Estes custos devem ser medidos não apenas em termos econômicos, mas também energéticos, com base na pergunta: quanta energia se gasta para obter uma unidade de energia sob a forma de petróleo? Em 1930, a resposta era de um para cem. Os poços eram tão férteis que, com técnicas energeticamente pouco dispendiosas, obtinha-se muito petróleo.
O pico do petróleo consiste, em grande parte, no fato de que esses rendimentos vão caindo com o passar do tempo. A média mundial hoje gira em torno de dez unidades de energia para cada uma que se investe na extração de petróleo. E, mesmo com as técnicas revolucionárias aplicadas no fraturamento hidráulico norte-americano, as médias das jazidas mais promissoras está muito aquém disso: no local mais emblemático dessas novas formas de exploração, no Estado de Dakota do Norte, a média é de apenas quatro unidades de energia para cada uma investida na sua obtenção. Nas areias asfálticas do Estado de Alberta, no Canadá, a proporção é de apenas três para um.
Quando se somam a estes custos energéticos aqueles embutidos na armazenagem e na captura do carbono (condição básica para que o aumento da oferta não agrave ainda mais o aquecimento global), o resultado é inequívoco: há um contraste evidente entre o entusiasmo que este novo ciclo dos combustíveis fósseis desperta em governos e investidores e a ineficiência energética em que ele se apoia. O mais recente boom do petróleo pode contribuir para a segurança energética dos Estados Unidos. Mas certamente não ajuda a aumentar as chances de compatibilizar a expansão do sistema econômico global com a manutenção dos serviços ecossistêmicos dos quais as sociedades humanas dependem.
* Ricardo Abramovay é professor titular da FEA e do IRI-USP, pesquisador do CNPq e da Fapesp, e autor de Muito Além da Economia Verde, lançado na Rio+20 pela Editora Planeta Sustentável.
** Publicado originalmente no site Prêmio Empreendedor Social/Folha de S.Paulo.