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As armas do Egito são municiadas pelos Estados Unidos

Militares reprimem manifestantes no Cairo. Foto: Khaled Moussa al-Omrani/IPS
Militares reprimem manifestantes no Cairo. Foto: Khaled Moussa al-Omrani/IPS

 

Nações Unidas, 11/7/2012 – Quando assentar o pó dos mortais enfrentamentos entre as forças armadas do Egito e milhares de manifestantes islâmicos nas ruas do Cairo e de Alexandria, o principal ganhador serão os Estados Unidos, graças à venda de armas. Mais de 50 manifestantes morreram e outros 400 ficaram feridos no Egito em razão do levante militar, e a crise se aprofunda. As forças armadas e de segurança contam com um amplo arsenal, a maioria de fabricação norte-americana, que inclui aviões e helicópteros de combate, barcos de guerra, mísseis e equipamentos antidistúrbios, como veículos blindados, rifles, metralhadoras, balas de borracha, pistolas e gás lacrimogêneo.

O Egito se abasteceu de todas estas armas por meio de doações norte-americanas não reembolsáveis, desde que assinou, em 1978, os acordos de paz de Camp David, patrocinados pelos Estados Unidos. Como segundo maior beneficiário da ajuda norte-americana depois de Israel, o Egito recebe entre US$ 1,5 bilhão e US$ 1,6 bilhão, dos quais US$ 1,3 bilhão são destinados às forças armadas, com 440 mil efetivos. A analista militar Nicole Auger, especialista em assuntos de Oriente Médio e África na organização de inteligência de defesa Forecast International, disse à IPS que os Estados Unidos são “de longe o maior fornecedor de armas do Egito”.

Cerca de 35% da ajuda que as forças armadas egípcias recebem de Washington são para comprar novas armas norte-americanas, pontuou Auger. Outros 30% se destinam à manutenção de equipamentos, também de fabricação norte-americana, 20% a diversos programas em marcha e 15% para atualizar o equipamento. O Egito também pode receber excedentes dos Estados Unidos graças ao programa Artigos de Defesa em Excesso, a maioria de forma gratuita, afirmou a especialista.

Além disso, o Egito recebe doações entre US$ 1,3 milhão e US$ 1,9 milhão anuais por intermédio do programa norte-americano Educação e Treinamento Militar Internacional, e mais US$ 250 milhões em assistência econômica. Segundo dados do Serviço de Investigação do Congresso dos Estados Unidos, o Egito recebeu de Washington armas no valor de US$ 11,8 bilhões no período 2004-2011, mais US$ 900 milhões da China e da Rússia e US$ 700 milhões da Europa.

Apesar da unanimidade quanto ao levante militar no Egito ser um golpe de Estado, o governo de Barack Obama evita essa classificação, argumentando que as forças armadas responderam às demandas da população civil. Em uma coluna de opinião publicada no dia 8, pelo jornal The New York Times, Khaled M. Abou El Fadl, professor de direito da Universidade da Califórnia, afirmou: “Ao expulsar um presidente impopular, o exército egípcio reafirmou uma tradição despótica no Oriente Médio: os chefes militares decidem o que o país necessita”.

Segundo as leis atuais norte-americanas, Washington tem a obrigação de suspender todo tipo de ajuda a um país em que militares tenham tomado o poder e derrubado um governo democraticamente eleito, como já ocorreu em Fiji, Costa do Marfim e República Centro-Africana. Após vencer as eleições, Mohammad Morsi, do Partido Liberdade e Justiça, braço político da Irmandade Muçulmana, assumiu como presidente em junho de 2012. Até agora, Washington se nega a suspender a assistência, acreditando que pode usá-la para influenciar na restauração de um governo civil.

O porta-voz da Casa Branca, Jay Carney, disse aos jornalistas, também no dia 8: “Vamos examinar muito bem a situação e demoraremos o tempo necessário para adotar uma decisão que seja coerente com nossos objetivos e interesses de segurança nacional. Contudo, não acreditamos que esteja entre nossos interesses tomar uma decisão precipitada sobre mudar nosso programa de assistência ao Egito”. Entretanto, vários legisladores, como os senadores John McCain, do opositor Partido Republicano, e Patrick Leahy, do governante Partido Democrata, pediram a suspensão da ajuda até que a democracia seja restaurada.

Antes dos acordos de Camp David, o Egito era um grande beneficiário de armas da antiga União Soviética, graças ao Tratado de Amizade e Cooperação com Moscou. Na época foi construída a represa de Assuã, um grande investimento econômico com assistência soviética. No entanto, após Camp David, o Egito abandonou sua lealdade política e militar à União Soviética e se colocou sob a proteção dos Estados Unidos. Envolverde/IPS