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As bombas ensinam a odiar

O menino israelense Natanel, de nove anos, se esconde em um abrigo para se proteger dos foguetes palestinos. Foto: Pierre Klochendler/IPS

 

Ashod, Israel, 21/11/2012 – Um avião de combate F16 da Força Aérea de Israel ruge rumo a uma missão no território palestino de Gaza. Nas ruas desta cidade do sul israelense, o estrondo fica dissimulado pelo som de um alarme. Poucos segundos depois, se ouve o estrépito com que o sistema de defesa aérea móvel de Israel Iron Dome lança com uma faísca de luz um míssil que intercepta um foguete Grad.

“Não é seguro para as crianças ficarem aqui”, lamenta Elisheva Pinto, junto com sua filha Chava, de 13 anos, e seu filho Arieh, de 11, no abrigo da estação central desta cidade, enquanto espera para pegar um ônibus para Jerusalém no dia 25. “Vamos durante o dia e voltamos à noite. Não temos outro lugar para onde ir”, conta. As escolas permanecem fechadas há quatro dias e os parques infantis estão vazios.

O prédio de apartamentos que fica no número 93 da avenida Independência recebeu, no dia 17, o impacto direto de um foguete, sem causar mortes. Ashdod é uma cidade de classe trabalhadora com cerca de 200 mil habitantes. Funcionários do órgão de cadastro chegam para avaliar os danos. O foguete atingiu um apartamento do quarto andar que ficou destruído, com um buraco na parede da sacada. Os estilhaços nas paredes da sala indicam a trajetória do projétil.

Um monte de cacos de vidros quebrados ficou espalhado no chão, misturados com restos de metal, muitos dos quais, quando o foguete explodiu, caíram sobre os automóveis estacionados na rua, o que maximizou a destruição. A explosão fez voar uma moldura com a fotografia de um casal com suas duas filhas, que foi parar sobre um prato que estava na mesa com as modestas sobras de um almoço de sábado: arroz, lentilha e frango.

Os inquilinos, a família Elikashvili, foram evacuados para um hotel do bairro de Ramat Gan, em Tel Aviv, 30 quilômetros ao norte. O proprietário do edifício dá informações aos funcionários do cadastro quando a rádio informa que Tel Aviv também foi alvo de um ataque com foguete. Outro alarme ressoa na sala de estar. Os visitantes abandonam o apartamento destruído e correm pelo corredor rumo à escada do prédio que serve de abrigo para a maioria dos habitantes. Algumas pessoas preferem ficar em seus abrigos particulares. Por lei, as novas construções devem ter um cômodo protegido.

Dois andares abaixo, a família Amsaleg, avós, mãe e dois filhos pequenos, Natanel e Ilay, se encolhem sob a tênue luz. “Isto não é vida”, protesta a avó, Annette Belladev. Terminado o alerta, a família volta para seu apartamento de três quartos. Natanel tem fome depois de um dia sem comer. Prepara uma torrada com queijo na mesa da cozinha. “Vomitei por causa do míssil”, conta. “Ficará bem, Natanel?”, pergunta sua mãe, Dvora, penteando seus cabelos com os dados da mão. Mas, soa outro alarme. Natanel interrompe seu rápido lanche e corre para as escadas com seu irmão menor, sua mãe e os avós. Têm 30 segundos para se abrigar antes de ouvirem uma explosão ao longe. O ar treme.

Ontem, 20 de novembro, foi Dia Universal da Criança. O secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Ban Ki-moon, visitou Jerusalém e Ramalá, na Cisjordânia, para ajudar nos esforços com vistas a um cessar-fogo. A ideia foi que esta “data seria dedicada à fraternidade e à compreensão entre as crianças de todo o mundo”, segundo o desejo expresso pela Assembleia Geral da ONU quando recomendou, em 1954, que todos os países instituíssem esse dia.

Desde o início da operação Pilar de Defesa, lançada por Israel contra o Hamás (Movimento de Resistência Islâmica) em Gaza, no dia 14, morreram pelo menos 24 meninos e meninas palestinos devido às mais de 1.400 incursões da Força Aérea e da Marinha, segundo números palestinos, e mais de 200 ficaram feridos. Um garoto israelense foi ferido como resultado dos 1.200 foguetes lançados a partir desse território palestino.

As crianças e as famílias desta cidade portuária convivem com a ameaça de aproximadamente dez ataques por dia com foguetes disparados por combatentes palestinos desde Gaza, a 23 quilômetros de distância. Ninguém em Ashdod se anima a dizer que as crianças israelenses sofrem o mesmo que suportam as crianças palestinas na sitiada Faixa de Gaza. Mas o medo e a dor cegam e fazem esquecer o sofrimento do outro.

Natanel completa nove anos. Olha à sua volta nas escadas quando soa o alarme, seu rosto se contrai em um último momento de terror como se suplicasse em silêncio. “Comemoraremos seu aniversário quando tudo isto terminar, está bem?”, diz sua mãe. “O que gostaria de ganhar de presente?”, perguntou. “Gostaria que Israel matasse todos os palestinos, todos eles e também seus filhos”, responde o garoto sem mudar de expressão.

“Não deveria dizer essas coisas horríveis. Judeus e árabes são todos seres humanos. Como nós, eles também estão presos em um atoleiro impossível. Como nós, eles não pediram isto”, afirma sua mãe. Natanel concorda de forma quase imperceptível. Ao contrário do exemplo que dá sua mãe, que o beija, ele parece estar sentindo muita pouca dor “pelo outro lado”.

Quando a calma retorna, os moradores passam o dia vendo televisão, ouvindo as notícias sobre o que acontece aqui mesmo: um feroz ataque de Israel e a destruição de outro foguete pela bateria Iron Dome, localizada em uma colina nos arredores da cidade. Natanel se aborrece: “Tomara pudesse ir à escola e brincar. Sinto falta dos meus amigos”.

Outro ataque, o terceiro em uma hora, e outro foguete interceptado por Israel. Sobre o mar, uma nuvem de fumaça branca mancha o céu imaculado. Dez minutos depois, a cidade volta à sua rotina habitual, alheia à vida e à morte. Natanel volta para a mesa da cozinha, coloca manteiga em uma torrada. “Então, quando festejaremos seu aniversário, Natanel?”, pergunta Dvora, preparando coco quente. “Em um mês, quando acabar a guerra”, murmura o garoto. Envolverde/IPS