Mogadíscio, Somália, 22/7/2011 – Dezenas de milhares de pessoas fugiram da fome no sul da Somália e se refugiaram nesta capital em busca de alimento, mas muitos pais deixaram seus filhos mais fracos pelo caminho na esperança de salvar os demais. “Nos disseram que alguns idosos sucumbiram, enquanto as crianças que não podiam andar e estavam à beira da morte foram abandonadas para salvar as que tinham possibilidade de sobreviver”, disse Mohamed Diriye, funcionário de uma organização local de Mogadíscio que fornece ajuda contra a seca.
Segundo Diriye, a maioria dos refugiados chegou a salvo a Mogadíscio e em acampamentos nos vizinhos Quênia e Etiópia, ao sul e oeste, respectivamente, deste país do Chifre da África, a noroeste do continente. A Organização das Nações Unidas (ONU) declarou situação de fome em duas zonas do sul da Somália, Bakool Austral e Baixa Shabelle. A ONU calcula que 2,8 milhões de pessoas vivem nas áreas afetadas, mas acrescenta que quase a metade dos oito milhões de habitantes da Somália sofrem uma crise humanitária.
A Somália é o epicentro de uma seca que devastou o Chifre da África nos últimos 18 meses, que foi qualificada por organizações humanitárias como a pior em 60 anos. A escassez de água também afetou partes do Djibuti, Quênia e Etiópia. “É a pior crise humanitária do mundo”, afirmou o Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), Antonio Guterres, durante visita ao acampamento de refugiados Dadaab, na fronteira da Somália com o Quênia.
A partir de 2009, o grupo insurgente islâmico Al Shabaab, que controla grande parte do sul do país, proibiu o trabalho das agências humanitárias na região. Mas, no dia 6, anunciou que suspenderia a proibição para que as comunidades assoladas pela seca recebessem assistência. Entretanto, muitos somalianos já começaram a fugir para países vizinhos e para o território somaliano sob controle do governo em busca de ajuda.
A ONU recebeu bem esse anúncio, mas declarou que “a impossibilidade de as agências de alimentos trabalharem na região desde o começo de 2010 impediu que as Nações Unidas tivessem acesso aos mais famintos, especialmente as crianças, e contribuiu para a crise atual”. A Somália carece de um governo central efetivo e há duas décadas sofre uma guerra civil. O governo atual é mantido por cerca de dez mil soldados da paz da União Africana e controla pouco mais da metade de Mogadíscio. O Al Shabaab, vinculado à rede islâmica radical Al Qaeda, controla o restante da capital.
Os refugiados continuam chegando a esta cidade depois da perigosa travessia a pé vindos do sul. Nem todos conseguem ajuda, pois chegam a prédios vazios e com marcas de projéteis, nesta cidade junto ao mar. “Minha família perdeu todo o gado, 50 animais, pela falta de pasto e água. Não choveu durante um ano e meio. O pasto, os poços, os rios, as lagoas, tudo secou”, disse à IPS Muse Elmi, pai de dez filhos. Sua família fugiu de uma aldeia na província de Bakool, no sul, e chegou a um acampamento erguido pelo governo para refugiados da seca.
Entretanto, estes acampamentos não têm espaço suficiente para alojar todos os que chegam em busca de ajuda, e muitas pessoas procuram abrigo nos prédios abandonados e em ruínas de Mogadíscio. “Não tivemos outra opção a não ser caminhar por 15 dias até Mogadíscio. Esperávamos o apoio do governo e das agências de ajuda, mas até agora recebemos pouco”, assegurou Elmi. Desde que ele e a família chegaram à capital, receberam assistência alimentar apenas uma vez, fornecida pela organização não governamental local Saacid, contou Elmi.
O governo e as organizações de ajuda discordam sobre a estimativa do número de refugiados recebidos em Mogadíscio. Alguns dizem que são 20 mil, mas outros asseguram serem 30 mil. Como se já não bastasse tanto sofrimento, a capital foi açoitada por fortes chuvas na última semana, o que complicou a vida dos refugiados, alojados em abrigos improvisados e em acampamentos inundados. “Estamos lotados aqui. Eu, minha mulher e nossos quatro filhos vivemos nesta pequena choça. A água entra pelo teto e pelas paredes”, protestou Abdi Daahir, outro refugiado da seca.
Nos últimos cinco dias morreram cinco pessoas por ficarem na intempérie, enquanto dezenas adoeceram em consequência das fortes chuvas. Médicos da capital temem que as doenças se espalhem agora que as chuvas afetaram os sistemas de vazão e formaram grandes lagoas junto as acampamentos, que carecem de banheiros. O presidente, Sharif Sheij Ahmed, entre outros altos funcionários, solicitou a ajuda da comunidade internacional.
A Organização de Cooperação Islâmica foi o primeiro organismo internacional a distribuir ajuda às vítimas da seca. Grupos locais também conseguiram mobilizar os moradores da capital para ajudar os refugiados com comida e agasalhos. Porém, a ajuda não é suficiente. Alguns começaram a pedir esmola nas ruas da capital, enquanto outros consideram a possibilidade de seguir para acampamentos em países vizinhos, onde trabalha a maioria das agências de assistência.
Organismos internacionais, como o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), o Programa Mundial de Alimentos (PMA) e a Médicos Sem Fronteiras, prometeram apoiar as vítimas da seca. Depois que Al o Shabaab suspendeu a proibição à ajuda internacional, no dia 6 deste mês, áreas governadas pelo grupo islâmico receberam embarques de ajuda. Envolverde/IPS