Uma climatologista vê o fogo a apenas 1,5 km de sua casa. As chamas já estiveram mais perto, mas o vento as desviou. Ela olha e espera que o vento não mude novamente em sua direção. É a única coisa que pode fazer: esperar. Provavelmente reflete sobre a seca e as queimadas florestais no Texas e sua relação com a mudança climática. O que sabe de clima não pode ajudá-la diante do fogo. Mas pode fazer muito por nosso futuro.
As cidades ameaçadas pelo fogo foram todas evacuadas. Centenas de pessoas já perderam suas casas. Fazendas tiveram suas culturas e criação destruídas. Paisagens espetaculares, que atraíram pessoas para o local, foram transformadas em terra calcinada. Uma das piores secas que o Texas já enfrentou criou o ambiente propício às queimadas. Um homem foi preso e indiciado porque deixou uma fogueira acesa em um acampamento de sem-tetos e saiu para comprar cerveja. Uma fagulha incendiou a mata próxima e destruiu uma grande área. Até agora já foram queimados quase 600 mil hectares. Os bombeiros combateram perto de 800 queimadas. Boa parte delas de origem humana.
Já é a mudança climática na prática? A climatologista não poderia dizer. Talvez, em alguns anos, se tenha elementos para determinar se essa seca estava associada a mudanças climáticas. Mas mesmo que não tenha a ver com a mudança climática, mesmo que seja só uma anomalia que ocorreria com ou sem o efeito estufa, ela guarda duas lições importantes sobre mudança climática.
Quando olhamos a terra devastada pelo fogo, em um momento de seca extremada, quando vemos as chamas irem se aproximando da cidade e das casas, calcinando plantações e matando animais, estamos olhando para um futuro possível. Também olhamos para um futuro possível, quando vemos partes de cidades soterradas por deslizamentos provocados por chuvas fortes e prolongadas. Grandes áreas habitadas inundadas por rios agigantados pelas águas das chuvas torrenciais. Corredeiras poderosíssimas arrastando tudo e a todos no caminho das águas. Miramos um futuro provável. Os eventos climáticos extremos se tornarão mais frequentes. É preciso que tenhamos consciência disso.
O fogo do Texas, a tragédia da região serrana do Rio de Janeiro, a seca devastadora do Rio Negro podem não ser ainda manifestações diretas da mudança climática já em curso. Essa que já foi contratada por décadas de acúmulo de gases estufa na atmosfera. Mas são uma amostra do que pode vir por aí.
Quais são as duas lições? A primeira é que, se não quisermos enfrentar extremos intoleráveis de mudança climática, com eventos climáticos muitos piores que estes, temos que iniciar rapidamente a efetiva redução de nossas emissões de gases estufa. A provável mitigação da mudança climática depende de nossa pronta ação. E estamos atrasados. A segunda lição é que alguma mudança climática é inevitável independentemente do sucesso que tenhamos na mitigação. Ela trará eventos mais extremos que esses que nos horrorizam agora. Por isto, precisamos urgentemente adaptar nosso ambiente construído à emergência desses eventos climáticos extremos. Temos que redesenhar as cidades. Afastar as áreas habitadas dos locais de risco de deslizamento; das matas que podem queimar durante a seca; da costa que pode ser inundada pelos vagalhões trazidos por furacões, ciclones, tufões, o nome que quisermos dar às grandes tempestades; do avanço do mar cujo nível se eleva.
Refazer matas ciliares, nas margens dos cursos de água. Desobstruir o leito natural dos rios. Retirar obras de engenharia, pessoas e patrimônio do trajeto das águas nas cheias. Criar áreas de amortecimento e proteção para evitar que queimadas, deslizamentos e enchentes causem tantos danos e perdas. Em alguns casos, as enchentes serão inevitáveis, é preciso preparar melhor as cidades para lidar com elas. Os eventos naturais não podem ser evitados. Suas consequências humanas e sociais, porém, pode ser evitadas ou minimizadas. Tudo isso é investimento em segurança e qualidade de vida.
É preciso que olhemos os exemplos de hoje, para garantir um futuro mais seguro. Essa é a lição no Texas, em Teresópolis e Nova Friburgo, no Rio Negro e em toda a parte. Estamos olhando para cenários futuros muito prováveis e de menores dimensões do que pode vir por aí quando olhamos essas tragédias. Precisamos aprender com elas, para desenhar futuros mais otimistas e seguros.
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** Publicado originalmente no site Ecopolítica.