Eu já sofri ameaças de violência antes. Mas devo confessar que o uso de proselitismo religioso para fins de assédio sexual foi algo inédito no meu currículo.
Era uma segunda-feira, 22 horas, e eu saía de um jantar na casa de uma amiga. Peguei um táxi para voltar para casa ali em frente, na Avenida Angélica, bairro de Higienópolis, região “nobre” de São Paulo.
O motorista era daqueles faladores (o que não me incomoda) e começou a me chamar de “querida”. Não dei bola, pois sei que tem gente que chama de queridos até mesmo desconhecidos. Aí ele começou a fazer proselitismo religioso. Falava que seu Deus era o único, não havia mais nenhum e, num tom que julguei provocador, disparou pelo espelho retrovisor: “E você, meu amor, acredita em Deus?”
Não querendo discutir com um chato e muito menos com um fundamentalista religioso, menti, dizendo acreditar em Deus. E emendei, com sarcasmo: “Quem não acredita?”. Ele continuou: “Meu Deus é meu Pai e é o único que pode me julgar, meu amorzinho!”. Sim, meus caros, ele me chamou de “amorzinho!”. Foi aí que percebi que poderia estar numa cilada. Ele iria abusar de mim? Talvez não. Mas não queria que soubesse onde eu morava e, assim que passamos por uma estação de metrô, pedi para saltar. “Tem certeza que você quer ficar aqui?”, ele perguntou. Não respondi. Paguei, saí do carro e entrei na estação iluminada e povoada.
Caminhando a pé para casa, me lembrei do casal de lésbicas que foi agredido por um motorista de táxi só porque estavam de namorico (não sexo, nem beijos de língua) no banco de trás do automóvel e de outros tantos casos de estupro dentro de táxis sobre os quais havia lido na internet.
Quando cheguei em casa, relatei no Twitter o assédio moral que havia sofrido. Uns me responderam que eu deveria ter mandado o cara para a casa do capeta e outros, em tom de comédia (talvez para me acalmar) sugeriram que eu deveria ter fingido ser uma pomba-gira. Obviamente, todos os que me aconselharam tais atitudes eram homens, pois duvido que qualquer outra mulher provocasse um taxista dentro de seu veículo. Ele poderia me estuprar? Talvez sim, talvez não. Mas não paguei para ver.
O fato é que nós, mulheres, fomos treinadas pela vida para antecipar situações de violência e estupro. Muitas vezes nos chamam de exageradas e julgam fantasiosos nossos relatos de assédio. Porém, toda mulher que anda de ônibus e de metrô sabe que é comum homens com ereção se encostarem em seus traseiros dentro de um veículo lotado. Isto é assédio.
A banda Dominatrix, formada só por feministas punks, tem uma música que diz: “Antissocial é uma mulher tentando andar numa rua escura à noite. Que tipo de vida é essa que eu tenho que ficar 24 horas por dia alerta igual a um cão de guarda?! De quem são os olhos que te vigiam? De quem é a mão que te ataca? (Die Die Die)”. É esse o tipo de vida que nós, mulheres, levamos: vinte e quatro horas por dia e sete dias por semana em alerta constante. Quem diz que isto é exagero é machista ou cego.
Eu já sofri ameaças de violência antes. Mas devo confessar que o uso de proselitismo religioso para fins de assédio sexual foi algo inédito no meu currículo. Enfim, da maneira como algumas religiões oprimem a sexualidade de seus fiéis, não é de espantar que muitos deles ajam como malucos. A sexualidade está à flor da pele. Aqueles que a sufocam têm mania de importunar e agredir os felizes possuidores de uma sexualidade bem resolvida. Estou exagerando?
* Publicado originalmente no site da Revista Fórum.