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Assume ministro que desagrada os militares

Rio de Janeiro, Brasil, 9/8/2011 – A designação de Celso Amorim como ministro da Defesa, cargo que assumiu ontem, é considerada uma mudança de rumo do governo de Dilma Rousseff em relação às Forças Armadas e um sinal de caminho livre para investigar as violações dos direitos humanos cometidas pela ditadura. Amorim, que foi chanceler nos dois mandatos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, tem “todas as condições” para exercer sua nova responsabilidade, assegurou Dilma, ao impô-lo como substituto de Nelson Jobim, que renunciou ao cargo que ocupava desde 2007.

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Presidenta Dilma participa da solienidade de posse do ministro da Defesa, Celso Amorim.
Contudo, para os militares parece ser exatamente o contrário. Para começar, é um diplomata, portanto alguém que não gosta da guerra, o que para o pensamento castrense é como colocar “um médico para cuidar do necrotério”, segundo comentários de oficiais divulgados pela imprensa. Além disso, Amorim é considerado não apenas diplomata, mas de esquerda, como disse o analista político Mauricio Santoro em entrevista à IPS.

Santoro, da Fundação Getúlio Vargas, recordou que Amorim foi criticado como chanceler por sua defesa de uma política de relações com o Irã em assuntos nucleares, com fins pacíficos, e pela aproximação com governos latino-americanos com posições mais radicais e “antinorte-americanas”, como a do venezuelano Hugo Chávez. Tampouco agrada aos militares o fato de contar em seu currículo com passagens de “muito conflito com a ditadura militar brasileira” (1964-1985), em um país que ainda não curou essas feridas.

Celso Amorim teve de renunciar, em 1982, ao cargo de presidente da hoje extinta Empresa Brasileira de Cinema (Embrafilme) por ter autorizado fundos para produção do filme “Pra Frente Brasil”, do diretor Roberto Farias, que mostrou pela primeira vez abertamente o tema da repressão e das torturas cometidas pela ditadura.

No entanto, não é a primeira vez que um governo do Partido dos Trabalhadores nomeia um diplomata como ministro da Defesa. O primeiro foi José Viegas, no começo da presidência de Lula, que renunciou antes de cumprir o segundo ano no Ministério, depois que os militares publicaram comunicados justificando o golpe de Estado de 1964. “Os militares nunca gostaram de receber ordens de diplomatas”, destacou Santoro.

A pergunta é por que, então, Dilma escolheu para dirigir essa pasta alguém com o perfil de Amorim, que para os militares é quase uma “ficha criminal”. Uma entrevista publicada pela Agência Brasil dá uma primeira resposta nesse sentido. “A escolha de Celso Amorim consolida o poder civil sobre militares na democracia brasileira”, diz o artigo do analista político Creomar de Souza.

Amorim substitui Nelson Jobim, que permaneceu no cargo após a mudança de governo por recomendação do próprio Lula. Jobim foi obrigado a renunciar após expor publicamente que nas últimas eleições votou no adversário de Dilma, José Serra, do PSDB. A presidente também teria se irritado com a atitude de Jobim de questionar, em uma entrevista, a idoneidade de duas de suas principais colaboradoras: Ideli Salvatti, ministra de Relações Institucionais, e Gleisi Hoffmann, chefe da Casa Civil.

Nos bastidores houve outros mal-entendidos, como a insatisfação de Jobim com as reduções no orçamento para a área de defesa nacional. Primeiro civil encarregado da pasta da Defesa a agradar os militares, Jobim pertence a um setor de direita do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), aliado do Partido dos Trabalhadores (PT) no governo, e é um forte crítico de Celso Amorim por suas posições “antiamericanas (norte-americanas)”, segundo mensagens de Washington divulgadas pelo site Wikileaks.

Para o professor de relações internacionais Francisco Teixeira, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, “os militares têm de se convencer de que o cargo de ministro da Defesa pertence à presidente eleita democraticamente e por ampla maioria. Nenhum ministro tem de agradar, ou não, os militares”, disse à IPS. Para Teixeira, a mudança na pasta da Defesa, como outras realizadas desde o começo de seu mandato em janeiro, obedece à estratégia de Dilma no que chama de “armar seu próprio governo”, em referência a um suposto afastamento da influência de Lula.

Sobre a escolha de Celso Amorim, em particular, Teixeira entende que prevaleceu a decisão de experiência que tem como negociador internacional, como no caso do acordo assinado com a França para construção de um submarino movido a energia nuclear. Esta bagagem seria importante também para contribuir, em seu novo cargo, para concretizar o velho sonho brasileiro de ter um lugar permanente no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU).

Francisco Teixeira sintetizou a situação ao afirmar que “os militares terão de entender que a comandante das Forças Armadas é a presidente Dilma Rousseff”. Uma chefe que por outros motivos já causava alergia entre os militares. É que a presidente integrou a guerrilha que combateu a ditadura e por isso foi presa e torturada.

Ao contrário de seus vizinhos, o Brasil tentou encerrar esse capítulo com uma lei de anistia, em 1979, que após a recuperação da democracia não foi sequer modificada. Entretanto, agora o governo deu novo impulso à criação de uma Comissão da Verdade no parlamento, que permita conhecer os casos de tortura, assassinatos e desaparecimentos de pessoas durante a ditadura. Os militares temem que, em caso de aprovação desta iniciativa originalmente apresentada pelo presidente Lula, se abra a porta para revisar essa lei que os protege da justiça.

Para Santor, não há dúvidas de que a escolha de Amorim indica uma “mudança de direção em relação às Forças Armadas”, quanto à linha levada adiante pelo governo Lula. A pressão cresce para que seja criada a Comissão da Verdade. Este analista recorda que Jobim sempre se declarou a favor da lei de anistia e foi um férreo opositor da formação dessa comissão no Congresso.

“Há um sinal de que o rumo será diferente e que Dilma fará valer sua história de vida, de militância política, de ter sido torturada”, acrescentou Santor. Porém, no momento a presidente não deixa evidências públicas nesse sentido. Depois da nomeação de Amorim apressou-se em se reunir com os comandantes das três armas para garantir-lhes que não haveria mudança de comando nem “revanchismo” em relação ao passado. Talvez, possa ser lido como primeiro efeito “diplomático” da era Amorim no Ministério da Defesa. Envolverde/IPS