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Atenas some nas profundezas da crise

Atenas, Grécia, 19/5/2011 – Um círculo vicioso de violência envolve a capital da Grécia, aprofundando as feridas do país e levando muitos a perguntarem o que o futuro reserva para os atenienses. O assassinato de Manolis Kantaris, de 44 anos, foi o estopim, na semana passada, dessa espiral. Ele foi morto a punhaladas, altas horas da noite, quando se preparava para levar a mulher ao hospital para dar à luz ao seu segundo filho. O crime aconteceu no coração de Atenas, zona cujos moradores descrevem cada vez mais como um lugar caótico onde são inúmeros os grupos criminosos.

Com base em imagens feitas por câmeras de segurança próximas, a polícia presume que os três assassinos são procedentes do Norte da África. No dia seguinte, integrantes de grupos nacionalistas fascistas (cuja presença nos bairros pobres de Atenas se acentuou no ano passado) realizaram diversos ataques para “vingar” o assassinato de Kantaris. Atacaram sem dó imigrantes e abusaram de pessoas que protestavam contra sua violência.

“Nesta sociedade as pessoas precisam estar unidas, venham de onde vierem. A criminalidade não depende da nacionalidade ou da origem étnica, e ninguém deveria responsabilizar coletivamente os imigrantes por este assassinato”, disse à IPS o presidente da Associação Muçulmana da Grécia, Naim El Gadour. “As pessoas sensatas têm de tomar a iniciativa e buscar soluções para a crise desatada no centro de Atenas. Gregos e estrangeiros precisam disso igualmente”, ressaltou.

A polícia é criticada por tolerar as ações nacionalistas violentas em um grau que levou o ministro da Segurança, Xristos Papoutsis, a admitir publicamente a falta de controle sobre as forças de segurança que operam no local. “É melhor dissolver uma estrutura de segurança, sem importar o quanto seja efetiva, se opera sob um status de tolerância especial que encobre abusos de poder e incidência de violência extrema”, disse o ministro, alertando para “um déficit democrático e uma arbitrariedade dentro das estruturas de segurança do Estado”.

O clima se deteriorou ainda mais quando se soube que três jovens foram feridos, um gravemente, pelo que os médicos descreveram como brutalidade policial intolerável, durante uma marcha no mesmo dia em razão de uma greve. Foi a oitava paralisação organizada, desde 2010, contra as medidas que o governo implementou para tirar o país da crise econômica. Na noite seguinte, dois homens assassinaram um imigrante de Bangladesh com quatro facadas. Depois fugiram de bicicleta. Apesar da falta de evidências, o crime foi descrito como tendo motivação racial, algo que a polícia aceita como uma séria possibilidade.

A violência voltou a aumentar em uma frenética tarde, no dia 12, quando duas manifestações – uma contra os imigrantes e a criminalidade, outra contra a violência policial – aconteceram no centro da capital grega. Os ataques contra os imigrantes continuaram, deixando 19 estrangeiros e um grego hospitalizados. “A sensação é que Atenas vive sua noite mais escura”, disse Gadour. “Não podemos deixar que ninguém pense que são duas partes que se matam entre si. Isto não nos levará parte alguma. Temos que tratar com pessoas que nos odeiam e querem nos ferir”, acrescentou.

Os habitantes de Atenas, já desmoralizados pela crise econômica, agora vivem com medo quanto à sua segurança. A ativista Marianna Pantermali, que vive no centro da cidade, onde os nacionalistas realizam suas ações, disse que a situação é dramática. “As pessoas que vivem nesses bairros perderam a fé nos partidos e nos políticos, e estão adotando rapidamente os pontos de vista dos extremistas”, afirmou. “Se não participam ativamente, aprovam passivamente o ‘pogrom’ contra os imigrantes e refugiados. Pedem sangue. Nunca vi nada igual”, ressaltou. A organização fascista Amanhecer Dourado, recebe de 1% a 1,5% dos votos nacionais.

Na tarde do dia 14, um grupo de 30 supostos membros da esquerda radical lançou um ataque contra uma delegacia de polícia no bairro de Exarxia. Os coquetéis-molotovs causaram graves ferimentos em três pessoas. Para Xara Kouki, jovem pesquisadora do Instituto Eliamep de Atenas, a situação faz pensar em um barril de pólvora prestes a explodir, segundo escreveu em um artigo publicado no The Guardian, que se tornou muito popular entre os jovens gregos por meio das redes sociais da internet. “Passaram pelo menos 12 meses desde que começou a crise, mas continuam surgindo pequenas histórias que ilustram a mudança”, afirmou.

“A cidade está repleta de gente sem teto que busca alimento no lixo, de amigos que são demitidos sem receber indenização ou que aceitam reduções salariais, de policiais que batem em cidadãos que protestam, de escolas e hospitais fechados, de professores e médicos que perdem seus empregos, de jornalistas censurados e sindicalistas perseguidos, de ataques racistas no centro”, resumiu Kouki.

O governo não pôde convencer o público nem quem lhe emprestou dinheiro de que o plano de ajuste estrutural que é executado há mais de um ano esteja conseguindo tirar a economia da crise. Segundo dados oficiais, a quantidade de desempregados sobe todos os meses. Atualmente, está em 15,4%.

“Para os europeus está claro que a Grécia não poderá voltar a solicitar empréstimos nos mercados”, disse à IPS Savas Robolis, professor de Políticas Públicas na Universidade Panteion. “No final de 2012, a Grécia terá de pagar uma dívida de US$ 66 bilhões”, acrescentou. O empréstimo conjunto de União Europeia, Fundo Monetário Internacional e Banco Central Europeu feito ao país é de US$ 24 bilhões, “e estaremos perdendo outros US$ 42 bilhões enquanto o país estiver fora dos mercados. A equação, simplesmente, não dá resultado”, acrescentou Robolis. Envolverde/IPS