Santiago, Chile, 13/7/2011 – Cresce o temor em organizações ambientalistas e indígenas do Chile pela possibilidade de apropriação de sementes nativas por parte de empresas estrangeiras, abertura de cultivos transgênicos e seu impacto na biodiversidade. O alerta foi disparado por diversos projetos de lei impulsionados pelo governo do presidente direitista Sebastián Piñera e, em especial, logo após o Congresso ratificar, em 17 de maio, o Convênio UPOV 91, que concede direitos de patente a quem obtiver novas variedades de plantas, isto é, a quem as descobrir, criar ou colocar à disposição dos interessados.
O pacto, da intergovernamental União Internacional para a Proteção das Obtenções Vegetais, é uma atualização de outro, de 1978 ao qual o Chile já havia aderido. A ratificação do UPOV 91 era um requisito nos tratados de livre comércio que Santiago assinou com Austrália, Estados Unidos e Japão. O UPOV 91 começou a ser debatido no parlamento em 2009, mas a discussão não prosperou até a intervenção de Piñera, que pediu urgência simples para seu trâmite em março deste ano. Organizações sociais e ambientais alertam que isto pode derivar em despojos do setor camponês, perda de biodiversidade e introdução de cultivos transgênicos.
“O que pedíamos era que não fosse votado, mas o governo pressionou e a direita inteira deseja isso porque os empresários querem o Convênio já, querem começar a resguardar seus investimentos”, disse à IPS Lucía Sepúlveda, representante da Aliança por uma Melhor Qualidade de Vida e da Rede de Ação em Pesticidas e suas Alternativas no Chile (RAP-AL-Chile). Ameaça “nosso patrimônio genético. Nossas sementes novamente estão em perigo. Restará somente uma pequena quantidade que não bastará sequer para a multiplicação, ficarão como espécies de museu, do que foram ontem”, disse à IPS Francisca Rodríguez, dirigente da Associação Nacional de Mulheres Rurais e Indígenas (Anamuri).
Na outra ponta, para a Chilebio, associação sindical que reúne as companhias Monsanto, Bayer, Dow AgroSciencies, Syngenta e Pioneer, que pesquisam, produzem, desenvolvem e comercializam cultivos geneticamente modificados, o UPOV 91 só traz benefícios. “Aperfeiçoa-se um sistema já existente. Não será instalado um novo sistema, nem uma nova forma de fazer agricultura no país”, disse à IPS Miguel Ángel Sánchez, diretor-executivo da ChileBio. E acrescentou que não haverá nenhuma mudança no “sistema de proteção dos criadores, nem nos custos para os produtores, nem ninguém se apropriará da semente de uso histórico”.
Preocupados pelos possíveis efeitos do UPOV 91 e pela falta de consulta aos povos indígenas, um grupo de 17 senadores apresentou um requerimento de nulidade junto ao Tribunal Constitucional. Para os parlamentares, diminui-se os privilégios do agricultor, quebra-se o direito à propriedade e se coloca em risco conhecimentos tradicionais das comunidades. Segundo o Convênio, uma planta que não circule no comércio geral ou não apareça em um registro oficial pode ser considerada nova ou distinta. Isto permite que uma empresa se aproprie do conhecimento e da biodiversidade de comunidades camponesas e indígenas, sem lei expropriatória nem compensação alguma.
No dia 24 de junho, o Tribunal negou o recurso de nulidade. Em sua sentença afirma que “cabe ao governo, ao Congresso, aos Municípios e demais órgãos autônomos do Estado estabelecer os mecanismos apropriados para realizar as consultas devidas com o propósito de determinar se uma medida administrativa ou legislativa afeta diretamente, ou não, os povos originários” e proteger as comunidades indígenas “diante de possíveis abusos”. Diante deste cenário, preocupa principalmente que o Chile careça de “um contexto regulatório que impeça que essas leis não se transformem em um saque total, um saque de nossos recursos, porque apenas as grandes empresas são protegidas”, afirmou Sepúlveda, autora do livro “A semente camponesa em perigo”.
Manuel Torok, engenheiro agrônomo do estatal Serviço Agrícola e Pecuário, explicou, durante um fórum universitário, que “qualquer um que deseja produzir, oferecer, importar ou exportar material de reprodução deverá contar com autorização do titular do direito”. Segundo Torok, apenas 20% do volume de árvores frutíferas vendidas no Chile está sob regime de variedades protegidas, mas, se continuar com a tendência dos países industrializados, em mais dez anos a relação será inversa: 80% das variedades serão protegidas, isto é, com direitos exclusivos de seus criadores, e apenas 20% serão sementes livres.
Outro temor dos ambientalistas e indígenas é que o UPOV 91 abra caminho para o cultivo transgênico. No Chile, atualmente são produzidas sementes geneticamente modificadas para exportação, mas não é permitido seu uso em solo nacional. “O Chile é o país número um em produção de sementes transgênicas do Hemisfério Sul, mas aqui não podem ser usadas. O paradoxo é que depois importamos o produto, elaborado a partir dessa semente”, deixando os agricultores chilenos “em desigualdade de condições com os estrangeiros”, segundo a Chilebio, que integra a rede internacional CropLife. Entretanto, a inserção na produção global de transgênicos e a especialização de determinadas áreas no Chile representam “um risco de contaminação enorme e irreversível”, alertou Sepúlveda. Envolverde/IPS