Tóquio, Japão, 10/8/2012 – Uma nova onda de manifestações contra a energia nuclear no Japão, após o desastre de Fukushima em 2011, faz pensar que a sociedade civil já não está disposta a deixar apenas nas mãos do governo as decisões sobre política energética. Um exemplo do peso da militância é que, após meses de deliberações, a promotoria aceitou, no dia 3, uma demanda contra a empresa privada Tokyo Electric Power Company (Tepco), responsável pelas operações da usina nuclear de Fukushima Daiichi, agora fechada.
“A nova iniciativa dos promotores é um marco em nossa longa e dura luta para que a Tepco assuma sua responsabilidade penal” neste assunto, declarou à IPS a veterana ativista Hiromi Ebisuwa, que encabeça a demanda. “É um êxito sem precedentes para as organizações civis do Japão”, acrescentou. A vida de dezenas de milhares de pessoas, entre elas meninas, meninos e bebês, sofreu um forte impacto ao terem que fugir devido à perigosa exposição à radiação quando ocorreu vazamento em uma das unidades de Fukushima, após o forte terremoto e posterior tsunami de 11 de março do ano passado.
Desde 1º de junho, cerca de 300 pessoas de Fukushima apresentaram demandas judiciais na promotoria local. Além disso, identificaram 300 autoridades, entre elas executivos da Tepco e da Agência de Segurança Nuclear e Industrial, como responsáveis pelo desastre por não instalarem proteção contra tsunamis nos reatores nucleares. O recurso legal se concentra na negligência que causou morte ou danos e na violação da lei de contaminação ambiental.
Outro exemplo da rejeição à energia nuclear no Japão é a denúncia judicial apresentada por uma organização de cidadãos contra executivos da firma privada Tokyo Electric Company (TEC) na promotoria do distrito de Kanazawa, em Ishikawa. A TEC estuda a reabertura da usina atômica de Shiga, em Ishikawa, na costa noroeste.
Segundo Aileen Miyoko Smith, diretora da organização local Green Action, os últimos acontecimentos marcam uma conjuntura crítica em matéria de política energética no Japão. “Os resultados dos tenazes esforços das bases após o desastre de Fukushima, sem precedentes em décadas anteriores, são vistos nos âmbitos político e social”, disse à IPS. Como outros especialistas, ela acredita que o horror desse acidente, junto com o mal-estar da população pela tragédia, contribuiu para a interrupção temporária das operações dos 50 reatores comerciais do Japão.
Apesar do calor do verão boreal, o país opera com menos de 3% de sua capacidade nuclear, outro grande acontecimento em um país que promovia essa fonte de energia como o eixo de sua economia nacional. Porém, em julho, apesar da constante oposição e dos protestos, as autoridades deram luz verde para o reinício de dois dos quatro reatores do oeste do país, argumentando a necessidade de garantir o fornecimento energético, e com o consentimento do governo de Oi, que tem problemas de liquidez.
O Japão, terceira maior economia do mundo, importa 100% do fornecimento de petróleo e carvão. A energia atômica cobre quase 30% da demanda, um reflexo do desejo deste país de alcançar a independência energética. De fato, o debate sobre priorizar a eliminação progressiva da energia nuclear ou estimular o crescimento econômico é público. O Instituto Sustentável do Japão fez uma pesquisa em julho que indicou que mais de 80% dos entrevistados são contra essa fonte de energia.
Entretanto, mais de 50% estão a favor da data limite de 2050 para fechamento de todos os reatores, o que mostra que a preocupação com o fornecimento de energia dilui a urgência para optar por alternativas e ações imediatas. Mesmo assim o êxito da militância organizada tem sido monumental. A decisão do governo local de reabrir a central de Oi em maio foi precedida de meses de discussões entre as autoridades nacionais e as locais.
A decisão final seguiu a promessa do governo local de promover os mais altos níveis de segurança mediante uma autoridade independente de regulamentação nuclear, que agora investiga a ameaça de uma falha sísmica sob os reatores de Oi. Conhecidos intelectuais como Kenzaburo Oe, prêmio Nobel, e Naoto Kan, ex-primeiro-ministro, uniram-se aos protestos semanais. A importância do movimento de protesto obrigou o primeiro-ministro, Yoshihiko Noda a divulgar um comunicado, na semana passada, prometendo se reunir com os organizadores do protesto. Foi uma mudança drástica de postura, a qual, segundo muitos ativistas, ficou refletida em seu comentário de que as manifestações simplesmente são “barulhentas”.
Há dois meses, a Misae Red Wolf é uma das organizações mais visíveis das manifestações semanais que percorrem várias dependências governamentais de Tóquio e que, às vezes, reúnem cerca de cem mil pedindo o fim da energia nuclear. Sob o calor abrasador do verão, a Misae, diante de uma multidão, cobrou o fim imediato das operações nas duas usinas nucleares que reiniciaram suas operações e o fim definitivo desta fonte de energia no Japão. “O ativismo é caminho seguir. Esperamos muito por uma resposta confiável do governo, que continua ignorando a voz das pessoas que sofreram muito por causa do acidente nuclear”, destacou.
O sociólogo Eiji Oguma, professor da Universidade de Keio, considera que as manifestações populares são um sinal da crescente desconfiança com relação aos dirigentes políticos e às autoridades burocráticas após o acidente de Fukushima, bem como à frustração com as políticas que não refletem a vontade popular. “O descontentamento com os dirigentes políticos acumula-se em 20 anos de paralisação econômica. O desastre de Fukushima e a decisão de reiniciar os trabalhos em Oi o elevou a um ponto crítico”, observou o professor, segundo um artigo publicado em julho pelo Asia Pacific Journal.
A discrepância entre a direção política e seu eleitorado levou à criação, no mês passado, do Partido Verde, que apresenta uma plataforma antinuclear e promove a estabilidade da assistência social para os idosos. Seu porta-voz, Akira Miyabe, explicou à IPS que o partido “representa um novo começo no Japão”, e acrescentou que “a participação do Partido Verde na demanda judicial apresentada contra a Tepco objetiva mudar os vínculos íntimos entre governo e empresários, que são o motor da energia nuclear no Japão”. Envolverde/IPS