Arquivo

Ativistas defendem leis contra mutilação genital em Gâmbia

Praticantes da mutilação genital feminina em Gâmbia declararam publicamente que abandonaram essa prática. Foto: Saikou Jammedh/IPS
Praticantes da mutilação genital feminina em Gâmbia declararam publicamente que abandonaram essa prática. Foto: Saikou Jammedh/IPS

 

Banjul, Gâmbia, 17/7/2014 – Ativistas pelos direitos humanos das mulheres em Gâmbia afirmam que mais de 30 anos de campanha para sensibilizar a população contra a mutilação genital feminina (MGF) deveriam ser suficientes para o governo decidir pela proibição da controvertida prática. A MGF, que consiste na extirpação parcial ou total dos genitais externos de uma menina ou mulher, continua generalizada neste pequeno país da África ocidental de 1,8 milhão de habitantes, mas as ativistas acreditam que a campanha contra a mutilação chegou a um ponto de inflexão.

A Gamcotrap, uma organização não governamental promotora dos direitos humanos, políticos, sociais, sexuais e educacionais das mulheres e meninas em Gâmbia, redigiu, junto com outras agrupações do movimento contra a MGF, um projeto de lei que foi submetido a um amplo processo de consultas. No passado, várias tentativas de legislação contra a MGF não prosperaram. Artigos que proibiam a mutilação foram retirados de pelo menos três projetos de lei favoráveis às mulheres.

Agora as ativistas estão decididas a fazer um último esforço para conseguir a aprovação da iniciativa legislativa. “Chegou a hora da ação definitiva”, afirmou Amie Bensouda, consultora jurídica do projeto de lei. “Não pode haver meias medidas. A lei tem de ser clara. O projeto propõe a proibição da MGF em todas suas formas. Essa discussão não pode continuar para sempre. O governo deve fazer o correto”, enfatizou.

“A campanha atingiu seu clímax”, afirmou Isatou Touray, diretora-executiva da Gamcotrap. “Trabalhamos muito. Tenho a esperança de que seja aprovada a lei porque tanto mulheres quanto homens a pedem. Há bolsões de resistência, mas isso sempre acontece quando se trata dos direitos da mulher”, pontuou. “Em 2010, organizamos um painel para a Assembleia Nacional Legislativa”, contou. Os deputados, em “uma declaração se comprometeram a apoiar todo projeto de lei que puna a MGF”, ressaltou.

Além disso, “desde 2007, mais de 128 distritos e 900 comunidades abandonaram a prática. Essa tendência está em crescimento”, indicou a ativista. Aproximadamente 78% das mulheres de Gâmbia foram submetidas à mutilação como um “rito de iniciação”. Mas, após mais de 30 anos da campanha contra a MGF, sopram ventos de mudança que inclusive alcançam as conservadoras comunidades rurais do país. Os programas de sensibilização levaram centenas de pessoas que realizaram as mutilações a declararem publicamente que abandonavam a prática.

Uma delas foi Babung Sidibeh, guardiã da tradição em sua Janjanbureh natal, capital da província da região do Rio Central, a 196 quilômetros da capital Banjul. Esta anciã assumiu sua função após a morte de seus pais, mas desde então “largou a faca”, com se diz popularmente nesse país quando alguém abandona a prática da MGF. Ela tomou a decisão após receber capacitação em matéria de saúde reprodutiva e de direitos das mulheres.

“Em 2011, a Gamcotrap me convidou para uma capacitação. Me mostraram os danos que fizemos às nossas companheiras mulheres. Se soubesse antes o que sei hoje nunca teria circuncidado ninguém”, afirmou Sidibeh. “Causamos um grande sofrimento às nossas mulheres. Se meus avós soubessem o que sei hoje, não teriam circuncidado ninguém. A ignorância é o problema”, acrescentou com um tom de remorso.

O Ministério da Saúde agora tem uma atitude mais proativa em torno do problema, disse à IPS a alta funcionária Camara Touray. “O Ministério instituiu um registro de complicações derivadas da MGF. Também capacitamos pessoal de enfermagem. Até há pouco, quando se perguntava à maioria dos trabalhadores da saúde sobre as complicações que podem surgir após a mutilação diziam que não elas não existiam”, apontou.

“Isso acontecia porque não eram treinados. Após três meses da adoção do registro, quando visitávamos as diferentes regiões, víamos que haviam registrado centenas de complicações devido à MGF”, contou a funcionária. Em março, a Gamcotrap organizou uma reunião entre especialistas religiosos da região, que tentou desvincular a MGF da fé islâmica, neste país onde 90% da população se declaram muçulmanos. Touray disse que o encontro foi o passo prévio à introdução do projeto de lei no parlamento.

“Reunimos eruditos islâmicos de Mali, Guiné, Mauritânia e Gâmbia. Tivemos um debate construtivo e, por esmagadora maioria, foi aceito que a MGF não é um mandato islâmico, mas uma prática cultural”, explicou Touray. Em sua declaração final, o encontro acadêmico “recomenda a adoção de uma lei específica” sobre mutilação, acrescentou.

Porém, persiste a resistência de alguns setores. Um influente grupo de acadêmicos muçulmanos, com apoio da direção do Conselho Supremo Islâmico deste país, afirma que a MGF é um mandato religioso. Esses clérigos têm grande quantidade de seguidores, algo que os políticos respeitam, e nos últimos tempos intensificaram sua campanha a favor dessa prática.

“Será um grave erro se legislarem contra a MGF”, afirmou Ebrima Jarjue, membro executivo do Conselho Supremo Islâmico, ouvido pela IPS. “Nossa religião diz que só realizamos pequenos cortes. Devemos ter permissão para praticá-la. Se algumas pessoas fazem errado, que sejam presas. Que aprendam a fazer. Se a circuncisão das meninas quando são pequenas causa problemas, então esperemos que cresçam. É o que se fazia antes”, afirmou.

O Escritório das Mulheres, braço executivo do Ministério de Assuntos da Mulher, tem dúvidas sobre a legislação contra a MGF. “A posição do Escritório das Mulheres é que é preciso ter mais sensibilidade e diálogo ao avançar o assunto”, afirmou Neneh Touray, funcionária de comunicação do Ministério que, no entanto, se negou a dizer à IPS se o órgão considera que o projeto de lei é prematuro. Envolverde/IPS