Washington, Estados Unidos, 1/2/2012 – A decisão do governo dos Estados Unidos de realizar uma venda limitada de armas ao Bahrein é duramente criticada por grupos de direitos humanos pró-democráticos. Estas organizações, bem como vários congressistas, exigem que o governo de Barack Obama diga publicamente o que pretende fornecer a esse reino do Golfo.
Também alertam que qualquer transferência militar neste momento seria vista pela oposição no Bahrein como um apoio ao repressivo regime de Manama. “Mesmo uma venda militar limitada ao governo baremense passaria uma mensagem equivocada”, disse David Kramer, presidente do Freedom House, grupo pró-democrático que recebe apoio da Fundação Nacional para a Democracia (NED), que, por sua vez, é financiada pelo Congresso norte-americano.
“Os Estados Unidos não deveriam considerar a venda de nenhum artigo militar até que o governo baremense acabe com os sistemáticos abusos contra os direitos humanos, permita acesso irrestrito aos meios de comunicação e a organizações internacionais e comece a implantar uma significativa reforma política”, declarou Kramer no dia 30.
Outros setores se mostram mais cautelosos. “Como os detalhes da venda são secretos, é difícil determinar de forma independente se Washington fornece o tipo de armas, munições e equipamentos que as forças de segurança do Bahrein poderiam usar para violar os direitos humanos”, comentou o diretor para o Oriente Médio da Anistia Internacional, Sanjeev Bery. Entretanto, “num momento em que os baremenses sofrem abusos não parece correto que se entregue armamento adicional ao seu governo”, acrescentou Bery, que também condenou as mortes em janeiro de pelo menos nove pessoas na repressão.
As históricas relações entre Washington e as forças militares de regimes amigos, mas repressivos, do norte da África e do Oriente Médio, se tornaram cada vez mais problemáticas no contexto das revoltas da Primavera Árabe que ocorreram no ano passado.
Ativistas, apoiados por legisladores, pediram a Obama que suspenda sua ajuda militar de US$ 1,3 bilhão ao Egito até que o Conselho Supremo das Forças Armadas, que governa transitoriamente esse país, deixe de perseguir organizações não governamentais internacionais e locais. Nos últimos dias, Washington sugeriu que poderia aceitar esse pedido, a menos que Cairo permita a saída do país de meia dúzia de ativistas apoiados pela NED, cujos escritórios foram invadidos por forças de segurança egípcias no começo de janeiro.
Grupos de direitos humanos também criticam Washington por continuar fornecendo ajuda antiterrorista ao Iêmen, cujo presidente Ali Abdalá Saleh, acaba de chegar aos Estados Unidos para receber tratamento médico. Seu governo é alvo de maciços protestos pró-democráticos.
A situação no Bahrein, aliado estratégico no Golfo, causou grandes dores de cabeça ao governo de Obama no ano passado. Sede da Quinta Frota da Marinha dos Estados Unidos, esse reino se tornou cada vez mais importante no contexto das tensões, que se agravaram em 2011, entre Irã, de um lado, e, de outro, Israel e os países do Golfo governados por famílias do ramo sunita do Islã.
A família governante do Bahrein, os Al Khalifa, reina sobre uma majoritária população xiita que, com apoio também de alguns sunitas, exige reformas políticas. Reforçada por 1.500 soldados e policiais da Arábia Saudita e dos Emirados Árabes Unidos, a monarquia baremense lançou uma dura repressão contra o movimento opositor em meados de março passado, alegando que elementos xiitas apoiados pelo Irã queriam desestabilizar o país.
Nos meses seguintes, houve mais de 40 manifestantes mortos, milhares presos (muitos deles torturados) e centenas de desaparecidos. Embora a Casa Branca tenha condenado inicialmente a repressão, permaneceu relativamente afastada da crise a maior parte do ano passado. De forma secreta, mas sem êxito, Washington tentou fortalecer a ala reformista da família que governa o Bahrein, liderada pelo príncipe Salman bin Hamad Al Khalifa, alertando que a repressão, com batidas noturnas em bairros e aldeias xiitas, só radicalizaria a população e a entregaria nas mãos do Irã.
Porém, em setembro, o governo Obama informou ao Congresso sua intenção de vender US$ 53 milhões em mísseis antitanque e veículos militares multiuso Humvee ao Bahrein, o que desatou fortes protestos. Congressistas alertaram que os Humvee, em particular, poderiam ser utilizados contra os opositores. O Congresso não pode anular a venda, mas convenceu o governo a atrasá-la até que uma comissão internacional apresente um informe sobre a situação no Bahrein.
Finalmente, a Comissão Baremense Independente de Investigação, liderada pelo jurista egípcio-norte-americano Cherif Bassiouni, apresentou um relatório que, entre outras coisas, pede julgamento dos culpados, libertação dos detidos, reintegração profissional dos demitidos e início de um diálogo entre governo e oposição para alcançar reformas democráticas e constitucionais. Assim, o governo de Obama anunciou que o envio de armas dependeria da implantação dessas recomendações e de melhoria na situação dos direitos humanos.
Ainda que o regime do Bahrein tenha dados alguns passos nesse sentido, a oposição e a maioria dos analistas concordam que não conseguiu o mínimo do que foi requerido. Inclusive, defensores dos direitos humanos asseguram que a situação piorou. Entretanto, o Departamento de Estado informou há uma semana que realizaria a venda de alguns artigos militares, como “peças de reposição e equipamentos de manutenção, necessários para a defesa externa do Bahrein e para o apoio das operações da Quinta Frota”.
A chancelaria norte-americana também disse que o valor dessas vendas “não é tão grande a ponto de exigir uma notificação ao Congresso”. Nenhum desses artigos “pode ser usado contra os manifestantes”, acrescentou. Porém, os críticos temem que o governo esteja tentando dividir o volume original de armamentos em pacotes menores que não necessitem ser notificados ao Poder Legislativo. Daí desejaram saber com precisão quais equipamentos estão sendo vendidos.
“Um pouco mais de transparência não faria mal algum à administração”, disse Brian Dooley, especialista no Golfo da organização Human Rights First, que foi proibida pelo governo baremense de entrar no país. No entanto, “é preciso questionar a oportunidade disso”, advertiu Dooley, referindo-se às tensões que aumentam na medida em que se aproxima o aniversário da primeira grande manifestação democrática, de 14 de fevereiro de 2011. “Fevereiro anuncia-se com mau agouro. Possivelmente haja tentativas de organizar um ou vários protestos, e o governo não dá sinais de poder controlá-los adequadamente. Manifestações muito menores foram reprimidas com uso excessivo da força”, afirmou Dooley à IPS. Envolverde/IPS
* O blog de Jim Lobe está em www.lobelog.com.