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Ativistas dos EUA indignados com “lei de proteção à Monsanto”

A cláusula autoriza o governo a emitir permissões temporárias aos produtores para que cultivem transgênicos. Foto: Peter Blanchard/CC by 2.0

 

Atlanta, Estados Unidos, 2/5/2013 – Ativistas norte-americanos pela alimentação saudável estão indignados com a revelação de que o Congresso e o presidente Barack Obama aprovaram uma cláusula que impede à justiça deter o avanço dos produtos geneticamente modificados.

Esta disposição, incluída na Lei de Destinações Consolidadas e Contínuas de 2013, norma financeira com prazo limitado (até setembro), autoriza o Departamento de Agricultura a conceder autorizações temporárias para os produtores cultivarem transgênicos, ainda que eventualmente um tribunal federal determine que estes sejam nocivos para a saúde da população.

As empresas de biotecnologia agora não precisam da aprovação de um juiz para testar produtos ou comercializá-los. Os ativistas chamam a nova norma de “lei de proteção à Monsanto”, pois esta corporação multinacional de produtos agrícolas pressionou a seu favor no Congresso durante pelo menos um ano. O texto foi aprovado pela Câmara de Representantes no dia 6 de março e pelo Senado no dia 21. E a lei foi sancionada no dia 26, também de março.

A revelação da polêmica disposição, que ficou “enterrada” em um parágrafo vago e impreciso da Lei HR 933, de 587 páginas (Divisão A, Título VI, Seção 735), aumentou a consciência pública e o interesse sobre o assunto dos transgênicos nos Estados Unidos. A cláusula estabelece que, “se for invalidada ou anulada uma resolução de status não regulado (sobre os cultivos), o Departamento de Agricultura, apesar de qualquer outra provisão da lei, e a pedido de um agricultor, produtor ou operador de fazenda, concederá imediatamente autorizações temporárias ou desregulamentações temporárias”.

O senador Jon Tester, do governante Partido Democrata e um dos únicos congressistas de família de agricultores, se colocou contra a disposição. “O Congresso dos Estados Unidos está dizendo ao Departamento de Agricultura que, mesmo com um tribunal dizendo que não foi seguido o procedimento adequado e sendo necessário começar de novo, pode ignorar a sentença e permitir os cultivos”, afirmou Tester no Senado.

“Isto não só ignora a ideia constitucional de separação de poderes como também permite que os cultivos geneticamente modificados avancem em todo o país, mesmo quando uma lei concluir que violam a legislação”, acrescentou Tester. “Uma vez mais, as corporações multinacionais dos agronegócios colocam os agricultores como servos”, ressaltou.

Ativistas responsabilizam, em parte, a senadora democrata Barbara Mikulski, pois presidiu o comitê que deu entrada à disposição. Em uma declaração, Rachel MacKnight, porta-voz da senadora, a defendeu. “A senadora Mikulski entende o mal-estar por esta cláusula. Ela não é responsável pela linguagem do projeto e tampouco o apoio”, afirmou.

“Como presidente do Comitê de Destinações, a primeira responsabilidade da senadora é evitar uma paralisação dos serviços governamentais. Isto significa que precisou ceder em muitas de suas próprias prioridades para levar ao Senado um projeto que também fosse aprovado pela Câmara de Representantes”, acrescentou MacKnight. Mas a cláusula é temporária e deverá ser revista em setembro próximo, quando, esperam os ativistas, pode haver uma oposição pública.

O Departamento de Agricultura já “tem mecanismos que permitem uma desregulamentação parcial desses cultivos”, explicou à IPS o diretor de assuntos governamentais do Centro para a Segurança dos Alimentos, Colin O’Neil. “No melhor dos casos, a cláusula é desnecessária e duplica esforços. No pior, tira o poder de controle das mãos do Departamento de Agricultura e o coloca nas da indústria”, alertou.

Também há preocupação sobre a forma como o Departamento de Agricultura usou medidas temporárias de desregulamentação no passado, como por exemplo com variantes geneticamente modificadas de beterraba e alfafa. Os dois casos de cultivos transgênicos passaram a ser analisados pela justiça federal, graças a ações legais amparadas na Lei Nacional de Políticas Ambientais.

“A cláusula essencialmente impedirá ao Departamento de Agricultura proteger os agricultores e o meio ambiente, porque o obriga a cumprir as demandas da indústria”, pontuou O’Neil. A Monsanto tem muitos cultivos transgênicos em seus planos, que podem ser beneficiados pela nova disposição.

“Creio que a lei de proteção à Monsanto e a forma como foi aprovada são outro exemplo de como opera esta companhia, como manipula nossa democracia e como compra nossos funcionários eleitos”, disse à IPS o fundador da organização Food Democracy Now, Dave Murphy. “É outro exemplo de como decidem operar dentro das regras de uma sociedade democrática. São como a máfia, se metem e redigem as leis como querem que elas sejam. A Monsanto realmente fez um grande favor a si mesmo”, acrescentou.

A multinacional respondeu com uma declaração, afirmando que seus críticos têm “um discurso interessante, digno do roteiro de um filme B. Praticamente nenhum dos que protestam leu a própria cláusula. Aqueles que o fizeram, encontraram uma surpresa: não contém nenhuma referência à Monsanto, nem à proteção da Monsanto ou a benefícios à Monsanto. Busca proteger os agricultores, e apoiamos essa disposição”, afirmou a companhia.

A controvertida cláusula foi introduzida pelo senador Roy Blunt, do opositor Partido Republicano e do Estado do Missouri, segundo o jornal Político. E a Monsanto tem sua sede na cidade de Saint Louis, no Missouri. Envolverde/IPS