Nos últimos sete anos, experimentamos desastres relacionados a eventos extremos em todas as partes do mundo. Nesse período, não houve um só ano sem registro de desastres de grandes proporções. Uma parcela significativa é de desastres associados a eventos climáticos extremos. Ainda assim, os países em geral têm investido pouco em prevenção de desastres e redução de riscos. Vários estudos estão indicando aumento do risco de desastres, principalmente associados ao clima em mutação. Examinando essas tendências dá para ver como nossa agenda política está na contramão, afrouxando padrões, quando deveríamos estar mudando de padrões.
Ao longo da última década, o número de desastres parece ter ficado relativamente constante, embora haja indicações de incremento significativo de sua intensidade. A mortalidade está em queda, mas as perdas econômicas e patrimoniais estão em alta. É o que constata o programa das Nações Unidas para redução de desastres.
Não existe desastre natural, existem riscos naturais. Os desastres decorrem da interação entre o fenômeno natural, o ambiente construído pelo ser humano e o ambiente social. Ou seja, o desastre é uma combinação entre o grau de risco associado a eventos naturais, o grau de exposição das pessoas a esses eventos e o grau de vulnerabilidade em que essas pessoas e seu ambiente físico (construído) e social se encontram.
Esta semana, em Genebra, representantes de 175 governos, especialistas e ONGs estarão discutindo redução de risco de desastres, em reunião da Plataforma Global para a Redução de Risco de Desastres, da ONU. Além dos documentos técnicos e depoimentos, as delegações se debruçarão sobre dois relatórios importantes: o “Relatório de Avaliação Global sobre Redução de Riscos de Desastres” (GAR 2011), de responsabilidade da UNISDR – Estratégia Internacional para Redução de de Riscos de Desastres das Nações Unidas; e o “Visões da Linha de Frente” (“Views from the Frontline”) da Rede Global para Redução de Desastres, uma rede de organizações da sociedade civil.
A proporção do PIB mundial exposto a ciclones tropicais, por exemplo, aumentou de 3,6%, nos anos 1970, para 4,3%, na primeira década deste século. O relatório da ONU mostra, também, que “o risco extensivo de hoje, pode se tornar o risco intensivo de amanhã”. Em outras palavras, os riscos de alta frequência, de baixa severidade e disseminados por todo o território do país podem aumentar de intensidade no futuro. Das perdas causadas por desastres extensivos, ou seja, decorrentes de eventos de alta frequência e baixa severidade, quase 97% estão associados a eventos climáticos. Esses desastres extensivos têm baixo índice de fatalidade, porém são responsáveis por elevada proporção de danos à infra-estrutura local, às habitações e à qualidade de vida de domicílios e comunidades de baixa renda.
Desde o ano de 1970 houve pouca mudança, por exemplo, no número de ciclones tropicais. Mas o número de ciclones de categorias 1 e 2 tem diminuído e o de clicones mais severos, categorias 4 e 5, tem aumentado. Cresceu o número de países atingidos. A maior intensidade aumenta o alcance das tempestades. O crescimento da população, a maior urbanização e o aumento das edificações e moradias, aumenta a população exposta – portanto o risco de desastre – e as perdas econômicas.
Ao mesmo tempo, melhorou a capacidade de relatar desastres por parte dos países e aumentou o acesso às informações. Esse aumento da exposição com a melhoria do monitoramento, está reduzindo a brecha existente entre o número de desastres detectados por monitoramento remoto. É o que mostra o gráfico abaixo. A importância disso é que aumenta a consciência local sobre o risco de desastres, o que pode levar a mais investimentos em prevenção e redução. Por enquanto nem os avanços em governança, nem os investimentos em defesa civil têm sido suficientes.
A exposição humana aos ciclones tropicais e a enchentes está aumentando rapidamente. O número de pessoas expostas a enchentes, subiu de 32,4 milhões por ano, em 1970, para 69,4 milhões, em 2010. A exposição econômica, ou seja o PIB globalmente exposto, saltou de US$ 36 bilhões médios anuais para US$ 100,1. É o que mostram os gráficos a seguir.
Na América Latina e Caribe, a exposição populacional às enchentes mais que dobrou, saindo de 600 mil para 1,3 milhão por ano. O PIB médio regional exposto anualmente, saiu de US$ 2,5 bilhões, para US$ 5,4 bilhões. Veja os gráficos.
A exposição a ciclones tropicais, como vimos, cresceu com as tempestades alcançando maior número de países. O número de pessoas expostas saltou de 65,9 milhões, na década de 1970, para 122,5 milhões, na década de 2000. A exposição econômica, cresceu mais: de perto de US$ 66 bilhões do PIB global ao ano, na década de 1970, para US$ 122,5 bilhões, na primeira década deste século (em dólares constantes de 2000). Vejam os gráficos.
Na América Latina e no Caribe, o grau de exposição se ampliou ainda mais fortemente. Saímos de 1,1 milhão de pessoas atingidas por ano, para 5,2 milhões. A exposição econômica aumentou mais de 10 vezes entre as duas décadas, saindo de US$ 2,3 bilhões do PIB regional médio por ano, para US$ 24,3 bilhões. Vejam os gráficos.
Apesar desse aumento no grau de exposição humana e econômica e consequente elevação do risco social e econômico dos desastres, não houve melhoria suficiente na capacidade de governança para prevenção e redução de desastres. É o que conclui o relatório da ONU.
Embora vistos como consequência de eventos climáticos extremos inesperados, esses desastres são na realidade “o resultado da acumulação desapercebida mas contínua do risco”. O progresso na governança foi modesto, em comparação com o avanço do risco e o aumento das perdas. Os desastres associados ao clima aumentaram exponencialmente. Os investimentos em prontidão e defesa civil aumentaram quase nada. O risco menos avaliado e estudado e também o menos percebido, porém que mais danos vem causando e que se tornou uma ameaça de grande perigo é o de secas severas e prolongadas. E sua principal causa é o mau uso da terra e da água.
O grau médio de progresso global em governança e arranjos institucionais, medido por um índice de 1 (pouco) a 5 (extenso), avançou pouquíssimo entre 2007-2009 e 2009-2011, de 3,3 para 3,4. O progresso em prontidão e resposta, se moveu um pouquinho mais, de 3,2 para 3,4.
O relatório da Rede Global para Redução de Desastres, “Views from de Frontline”, mostra que 57% das pessoas entrevistas em 58 países sentiram aumento das perdas por desastres. Mas, o grau de progresso global em governança foi pequeno, de apenas 2,4. Nos países da América do Sul, foi o terceiro mais baixo.
O gráfico a seguir, retirado deste relatório, mostra que o Brasil, teve o nono pior índice de progresso desse conjunto de países. Ao todo, 31 países ficaram abaixo do índice médio.
Esses relatórios deixam pouca margem a dúvida. O risco de desastres associados a eventos naturais está crescendo muito, ano após ano. O risco especificamente associado a eventos climáticos extremos está avançando exponencialmente, ameaçando a agricultura. Aliás, estudo recentemente publicado na revista Science mostra que o clima extremado já está causando danos à produção de alimentos. Esses estudos mostram como nossa agenda política está na contramão.
Estamos discutindo afrouxar o código florestal, quando deveríamos estar adaptando nosso processo de desenvolvimento a esse quadro de riscos, para aumentar nossa segurança econômica, agrícola, alimentar e ambiental. Só um padrão de desenvolvimento que garanta segurança nessas dimensões, cuidando do uso da terra e da água e da eficiência energética do ponto de vista ambiental e climático, será capaz de assegurar bem-estar à população e competitividade ao país no médio e longo prazo.
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** Publicado originalmente no site Ecopolítica.