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Aumenta o trabalho infantil no Líbano

Abudi, de 12 anos, passa seus dias vendendo flores diante dos bares de Beirute. Seus pais ficaram em sua cidade natal, Alepo, na Síria. Foto: Sam Tarling/IPS
Abudi, de 12 anos, passa seus dias vendendo flores diante dos bares de Beirute. Seus pais ficaram em sua cidade natal, Alepo, na Síria. Foto: Sam Tarling/IPS

 

Beirute, Líbano, 9/8/2013 – Cada vez mais meninos e meninas se integram ao mercado de trabalho no Líbano, país que se racha sob a pressão do conflito na vizinha Síria e de uma economia vacilante em meio a um vazio político. Além das disputas sectárias que o caracterizam, este país está sem primeiro-ministro desde março. Os legisladores não chegaram a um acordo sobre uma lei para realizar as eleições previstas para junho. O Líbano também está dividido entre os que são a favor do regime de Bashar al Assad, na Síria, e os que apoiam a oposição.

Não há estatísticas precisas sobre emprego infantil, mas o Ministério do Trabalho elevou sua estimativa de cem mil menores no mercado de trabalho em 2006 para 180 mil atualmente. O número verdadeiro é “significativamente maior” devido às extraordinárias circunstâncias dos últimos dois anos, disse à IPS a diretora da unidade de trabalho infantil do Ministério, Nazha Shallita. Este país tem 4,2 milhões de habitantes.

“Enquanto o Líbano se esforça para lidar com o enorme fluxo de refugiados sírios, além do declínio de
sua economia e da deterioração da segurança, para não mencionar a falta de governo, vemos que cada vez mais crianças são obrigadas a trabalhar”, apontou Hayat Osseiran, consultora no Líbano da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e do Programa Internacional para a Erradicação do Trabalho Infantil, em entrevista à IPS.

Todas as noites pode-se ver menores no centro de Beirute vagando entre os que se divertem vendendo colares de rosas ou gardênias, até a madrugada. O aumento do número de crianças na rua vendendo de tudo, de flores a quadros, talvez seja o mais visível e comum do trabalho infantil, mas não passa da ponta do iceberg, observou Osseiran. “É duro, não gosto, mas tenho que fazer isso por minha família”, disse Jihad, de 11 anos, carregando um monte de rosas de plástico para oferecer do lado de fora dos bares de Beirute. “Se minha mãe, meu pai e meu irmão pudessem vir, eu poderia voltar à escola, mas ficaram em Alepo (cidade síria) e não podem vir”, contou.

Uma multidão de meninos e meninas trabalhadores inundam as ruas do Líbano há cerca de dois anos, quando a encarniçada guerra civil na Síria expulsou dezenas de milhares de famílias pobres e despossuídas. Mas o problema existe desde antes do conflito no país vizinho, e costuma ter um cenário mais sinistro do que o de menores pobres perambulando pela rua para ajudar suas famílias.

“Muitas das crianças não vendem só flores, sendo que bandos de delinquentes os obrigam a trabalhar vendendo muitas coisas e os organizando”, disse Khaled Merheb, advogado e defensor dos direitos da infância, em entrevista à IPS. “Chegam de ônibus, que ao final da jornada noturna regressa e os leva”, afirmou. As Forças de Segurança Interna são responsáveis por evitar a exploração de menores na rua, mas reconhecem que não é muito o que podem fazer sem um mecanismo adequado para tirá-los da situação.

Há um centro específico para alojar os que conseguem recuperar, mas praticamente não oferece serviços de reabilitação, tem carência crônica de fundos e é incapaz de manter os menores se um familiar pede sua liberação, mesmo se há suspeitas de exploração. As forças de segurança não têm o número de adultos que exploram menores, mas reconhece que há grupos de criminosos organizando o trabalho. Meninos e meninas costumam se queixar dos maus tratos por parte dos oficiais, pontuou Merheb. Quase todos os casos contra os adultos que fazem menores trabalhar não “chegam à justiça”, acrescentou.

Além das crianças que estão na rua, dezenas de milhares de adolescentes abandonam os estudos e não há oferta de trabalho nem empregos de verão logo ali, na esquina. O trabalho infantil costuma deixar os menores expostos a abusos físicos, sexuais e psicológicos, os impede de continuar estudando e coloca em risco sua saúde, segurança e moral. Os menores trabalham em fábricas, bordéis, escritórios, plantação de tabaco e lixões. O Líbano assinou numerosos tratados internacionais sobre o trabalho infantil e tomou algumas medidas para mudar a legislação e as políticas nacionais para cumprir suas obrigações.

A mais relevante foi em 1996, quando foi elevada a idade mínima para trabalhar de nove para 14 anos para projetos industriais e atividades que exigem esforço físico ou são prejudiciais à saúde. A lei vigora, mas quase não há fiscalização. O Ministério do Trabalho tem uma equipe de 70 inspetores em todo o país. Um projeto-piloto da organização não governamental holandesa War Child descobriu que 19 dos inspetores nem mesmo conheciam a unidade especial do Ministério dedicada ao assunto.

Em uma esquina de um assentamento precário de Beirute, adolescentes entre 12 e 15 anos deixaram a escola e fazem diversos trabalhos, como embalar veneno de rato. Costumam trabalhar seis dias por semana, entre oito e 12 horas diárias por US$ 60 semanais. “Pensava que esse trabalho seria melhor do que ir à escola, mas estava errado. A escola é melhor do que trabalhar. Lamento tanto ter deixado de estudar, mas agora é muito tarde”, disse Haydar, um dos adolescentes.

A enorme deserção escolar, especialmente em áreas marginalizadas é um grande problema. Uma lei aprovada em 1998 estabelece a educação gratuita e obrigatória até os 12 anos, mas nunca foi colocada em prática. “A educação não é nem gratuita nem obrigatória em muitas regiões”, disse à IPS Lala Arabia, diretora-executiva e coordenadora de proteção da organização Insan, que trabalha com menores de rua.

“Muitas vezes dizem às famílias que não há lugares suficientes. Como será obrigatório? Os estrangeiros são os que mais sofrem”, enfatizou Arabia. O frágil e fraturado Estado libanês descuidou muito das zonas pobres do país. Atualmente, com a deterioração da situação política e da segurança e em meio à crise de refugiados sírios, cada vez mais meninos e meninas escapam do sistema. Envolverde/IPS