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Aumentam as execuções no Irã

Irabandeira

Genebra, Suíça, 21/3/2014 – Quase 700 pessoas foram executadas no Irã no ano passado, segundo estimativas da Organização das Nações Unidas (ONU), na maioria integrantes de minorias étnicas ou religiosas e acusadas de crimes relacionados com drogas. “Apesar dos sinais de abertura com a eleição do presidente Hassan Rouhani, há quase um ano, a situação dos direitos humanos se deteriorou drasticamente”, disse à IPS o representante na ONU da Associação para os Direitos Humanos no Curdistão do Irã, Taimoor Aliassi.

Pelo menos 687 pessoas morreram na forca em 2013, 68% delas depois das eleições presidenciais de junho desse ano, afirmou Aliassi. Trata-se do maior número em 15 anos. A vasta maioria dos condenados era de minorias étnicas, como a curda e a baluche, ou religiosas, com a fé bahai. “A repressão contra essas minorias aumentou”, ressaltou.

O ativista fez estes comentários após a divulgação do informe do relator especial da ONU para o Irã, Ahmed Shaheed. Teerã respondeu assinalando que as conclusões do trabalho “não são objetivas”, e afirmou que se trata de uma “compilação de acusações infundadas”. O governo iraniano se opõe a uma renovação do mandato de Shaheed.

“No ano passado, houve duas execuções por dia e 60% estavam relacionadas a crimes com drogas”, garantiu o relator especial durante uma reunião em Genebra, no começo desta semana, sobre a situação dos direitos humanos no Irã. “Muitos condenados não tiveram acesso a advogados e suas confissões foram obtidas sob tortura. Entre os enforcados havia três menores”, destacou.

Shaheed rechaçou a acusação de Teerã de que seu informe se baseava em declarações de fontes opositoras e inclusive terroristas. “Mesmo não podendo entrar no país, conversei com 700 pessoas. Faço minhas entrevistas via internet, pelo serviço de videochamadas Skype. Se pudesse viajar ao Irã, teria a versão do governo em meu relatório. Seria uma vantagem” para Teerã, afirmou.

“O Irã é o segundo país com mais execuções, depois da China, mas o primeiro quando se calcula por habitante”, pontuou à IPS o diretor-executivo da organização não governamental francesa Ensemble Contre la Peine de Mort (Grupo Contra a Pena de Morte), Raphaël Chenuil-Hazan. Essa organização nasceu em 2000 e foi fundamental na criação da Coalizão Mundial Contra a Pena de Morte, que realiza um congresso a cada três anos.

“A aplicação da pena capital é uma referência para conhecer a situação dos direitos humanos em um país”, explicou Hazan. “Abre a porta para que sejam investigadas outras violações dos direitos humanos, como justiçamento contra menores de idade e minorias étnicas, execuções públicas, tortura e julgamentos injustos. Podemos trabalhar com grupos de base em todos os países, incluindo a China, mas não no Irã”, acrescentou.

O governo iraniano, como o da Coreia do Norte, “não permite às organizações locais participarem de nossos congressos”, explicou Hazan. “Nossas fontes são indivíduos que identificamos em prisões. No ano passado, contamos 687 execuções. Sabemos que há mais, mas este é o número que pudemos demonstrar para incluir em nosso informe”, acrescentou. O relatório da ONU está em linha com as descobertas da organização não governamental.

Mahmood Amiry-Moghaddam, porta-voz da organização Iran Human Rights, com sede em Oslo e membros em território iraniano, disse à IPS que “56% dos números incluídos no informe são oficiais, e 44% foram confirmados de forma independente”. No ano passado, a organização documentou 59 enforcamentos públicos, “Todos anunciados oficialmente. Meninos e meninas também foram testemunhas das execuções, pois não há limite de idade (para presenciá-las). Também acontecem muitos enforcamentos em prisões, que merecem uma investigação independente”, destacou.

Segundo o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, ratificado pelo Irã, os países que não aboliram a pena de morte só podem aplicá-la para os crimes mais graves. “Desde 2010, foram executadas mais de 1.800 pessoas por acusações relacionadas com drogas. Mas, por acaso a posse de 30 gramas de heroína, morfina, ópio ou metadona é um crime grave?”, questionou Hazan.

A justiça iraniana também estabelece a pena máxima para crimes como corrupção, rebelião, ofensas sexuais (incluindo relações entre pessoas do mesmo sexo), crime organizado, roubo e contrabando, assassinato e determinadas infrações religiosas. Pelo menos 28 mulheres foram enforcadas em 2013, segundo o relator das Nações Unidas.

Algumas organizações asseguram que o próprio governo iraniano propaga o vicio em drogas, particularmente em áreas curdas, como estratégia política. “Está aplicando uma política anticurda de empurrar os jovens dessa minoria para as drogas e em seguida prendê-los”, denunciou à IPS Karen Parker, advogada de direitos humanos da cidade norte-americana de São Francisco.

Por sua vez, Gianfranco Fattorini, da organização francesa Mouvement Contre le Racisme et Pour L’Amitié entre les Peuples (Movimento Contra o Racismo e pela Amizade entre os Povos), disse em Genebra que 20 ativistas curdos estavam no corredor da morte no Irã, e outros 25 foram condenados à forca, acusados de ameaçarem a segurança nacional e de outros crimes semelhantes.

Por sua vez, Diane Ala’i, da Comunidade Internacional Baha’i, apontou que a perseguição a membros dessa confissão está em certa medida amparada pela Constituição da República Islâmica, já que esta só reconhece três minorias religiosas: cristã, judia e zoroástrica.

Os membros da fé bahai são perseguidos desde que nascem até morrerem, disse Ala’i em Genebra. “As crianças são marginalizadas na escola. Nega-se aos jovens o acesso à universidade e a empregos no setor público. Hoje, há 126 bahai nas prisões, apenas por serem bahai. São acusados desde serem inimigos de Deus até por espionagem ou por pertencer a alguma organização ilegal”, acrescentou. Algumas dessas pessoas perseguidas “são idosas, outras são mães jovens que tiveram seus filhos na prisão”.

A ativista disse que os cemitérios bahai sofrem atos de vandalismo e “é claro que esses atos horríveis são perdoados pelas autoridades”. Os crimes violentos e a incitação ao ódio contra os bahai e outras minorias estão aumentando, e as autoridades judiciais não investigam um só caso. “Isso está orquestrado pelo governo”, denunciou. Entretanto, reconheceu que também há um crescente movimento de solidariedade com os bahai.

Na semana passada, 75 destacados ativistas pediram ao sistema judicial iraniano que concedesse os benefícios contemplados na lei islâmica a “minorias religiosas não reconhecidas”. Além disso, influentes personalidades, como o cineasta Asghar Farhadi, assinaram uma carta aberta pedindo a abolição da pena de morte, dentro de uma campanha iniciada em novembro. “Como são muito conhecidos, têm menos riscos de serem presos. Isso é um sinal de que a sociedade civil está avançando. Agora é tempo de o governo também mostrar abertura”, enfatizou Hazan. Envolverde/IPS